Estamos prestes a transformar
a transmissão do conhecimento numa questão central
para o país
Uma das experiências sociais mais ousadas do país
ocorre em Pernambuco. Um grupo de 13 escolas estaduais paga
parte do salário de seus professores com base no desempenho
dos alunos. Sua direção, eleita pela comunidade,
assina um contrato com o governo e se compromete a atingir,
a cada ano, determinadas metas. O salário-produtividade
dos professores é bancado com recursos de empresários
que participam do conselho da escola, habilitada, por lei,
a fazer arrecadações privadas para fortalecer
seu orçamento. Nesses colégios de ensino médio,
com tempo integral, o cotidiano se mescla ao currículo
tradicional. Um rio que passe na frente da escola é
motivo para que se recorram às lições
de história, química, biologia, física
e matemática. É um modelo inusitado de gestão
na rede pública de ensino, no qual se premia o mérito
e se compartilha o ato de educar.
Um dos inspiradores dessa experiência é o presidente
da Philips no Brasil, Marcos Magalhães, despertado
pelo estado lastimável da escola pública na
qual estudou em Recife. Envolveu-se a tal ponto nesse projeto
que, convidado a se mudar para a Holanda e assumir a vice-presidência
mundial de sua empresa, preferiu pedir aposentadoria para
tentar implantar, em escala nacional, esse modelo de gestão
educacional. Se esse tipo de projeto, complexo, ganhar escala,
teremos o que Lula prometeu para seu segundo mandato. "Vou
promover o milagre da educação", disse,
em tom de campanha. Para traduzir o tamanho do milagre necessário,
bastaria lembrar que apenas 5% dos formados na rede pública
dominam, apropriadamente, a língua portuguesa. Falar
em milagre é um exagero publicitário. Mas o
fato é que estamos prestes a transformar, de verdade,
a transmissão do conhecimento numa questão central
para o país, por falta de alternativa para sustentar
o desenvolvimento econômico.
Reflexões dessa inquietação, começam
a surgir, aqui e ali, projetos como os das 13 escolas de ensino
médio pernambucano, nos quais educar não é
responsabilidade apenas de governo. Em Nova Iguaçu,
na Baixada Fluminense, estão sendo criados bairros
educativos; abrem-se, em torno da escola, espaços de
aprendizagem conectados à rede de ensino. Em Belo Horizonte,
alunos mais pobres recebem educação de tempo
integral, complementada por alguma entidade. Em Boa Vista
(Roraima), juntam-se as políticas públicas em
torno de crianças e adolescentes, a exemplo do que
ocorre em determinadas escolas de Curitiba. Clubes esportivos
e parques são transformados, em São Paulo, numa
extensão dos colégios; educadores são
treinados a incorporar os equipamentos de saúde, cultura,
lazer e esporte ao cotidiano dos estudantes. Governos estaduais
-São Paulo, Tocantins, Minas, Santa Catarina, por exemplo-
implantam escolas de tempo integral. Espalha-se por todo o
país o hábito de abrir escolas nos finais de
semana.
Acostumado a trabalhar com metas, Magalhães é
um dos exemplos de empresários e executivos interessados
em mexer na gestão de políticas públicas
no geral e, em especial, na educação. Fundações
empresariais formam profissionais, muitos deles vindos de
faculdades de administração e de economia, capazes
de criar indicadores, sistematizar experiências, racionalizar
esforços, reduzir custos. Nesse ambiente, são
incubados laboratórios sociais. Neste final de semana,
na Bahia, empresários da América Latina, especialistas
e poder público analisam casos de sucesso de responsabilidade
empresarial para a melhoria do ensino. Desde o ano passado,
algumas das mais importantes personalidades do PIB nacional
estão participando, em parceria com entidades internacionais
e representantes dos vários níveis de governo,
da montagem de uma agenda exclusiva de educação
para 2022, bicentenário da Independência.
Na sua intuição, Lula percebeu que chegou a
vez da educação, sem a qual o Brasil não
conseguirá ir muito longe social, econômica e
politicamente. O que talvez ele não saiba é
que não se deve apostar em milagre nem na vontade de
um presidente ou de um governo. Mas na transformação
desse tema num projeto de nação, assim como
o foram a volta da democracia, o fim da escravidão
e o controle da inflação. Só assim a
experiência das 13 escolas pernambucanas não
sucumbirá ao corporativismo e à politicagem
-e, quem sabe, será mais que uma ilha de excelência
num mar de indigência.
P.S- Pode até ser uma atitude eleitoreira, mas considero
um avanço um presidente falar que a prioridade número
um de seu governo será a educação.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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