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A abundância
de jovens sem perspectivas facilita a arregimentação
do PCC; o treino e a disciplina ajudam na organização
e nas ações capazes de parar a cidade
O ranking nacional de aprendizado dos alunos em português
e matemática, divulgado neste mês, é uma
das explicações para o poderio do PCC. A cidade
de São Paulo demonstrou, nessa prova, pior desempenho
do que quase todas as capitais.
Ruins na média, os índices das escolas paulistanas
são especialmente devastadores na periferia, ajudando
a formar multidões de jovens que, pela baixa qualificação,
não conseguem se colocar no mercado de trabalho -e,
assim, se seduzem pelas ofertas do crime organizado.
Para entender o poder de arregimentação do PCC
é preciso, antes de mais nada, prestar atenção
à informação levantada pela Fundação
Seade: 65% da população entre 15 e 19 anos mora
na periferia, onde faltam os mais diversos serviços
públicos, a começar do policiamento. Esse grupo
terá poucas condições de usufruir de
uma educação de qualidade, capaz de levá-los
a se inserir na sociedade. O caminho mais provável,
para muitos, é a evasão.
A taxa de desemprego juvenil em várias bairros da periferia,
de acordo com o Dieese, chega a 70% -a média para todas
as idades gira em torno de 16 anos. Apenas na cidade, cerca
de 500 mil pessoas entre 15 e 24 anos, o suficiente para lotar
cerca de oito estádios do Morumbi, nem estudam nem
trabalham.
O quadro se agrava ainda mais quando se contabilizam os números
de toda a região metropolitana, foco de arregimentação
do PCC -e, aí, se chega a perto de um milhão
de jovens, entre 15 e 24 anos, que não fazem nada e,
pela baixa escolaridade, não têm perspectivas
profissionais.
Para muitos desses jovens, o caminho para o crime organizado
- inclusive o PCC- é quase uma linha reta, começando
dos problemas familiares. Em regiões periféricas,
uma mulher tem em média quatro filhos e, em geral,
começa cedo, ainda adolescente. O que se vê cada
vez mais é o pai ausente; ou um pai ou padrasto presente,
mas violento. Freqüentemente, o álcool é
um dos ingredientes associados à desestrutura familiar.
Acrescente-se que, na falta de ofertas de lazer e cultura,
os bares tornam-se uma das grandes atrações
e garantia de divertimento barato. O que também significa
mais combustível à violência, a começar
da violência doméstica.
Esses jovens, sem perspectiva, rejeitados pela escola e pela
família, acabam encontrando na gangue uma dupla satisfação:
fonte de renda e de auto-estima. A gangue passa a ser a família
que eles não tiveram e o escudo para que sejam respeitados
e temidos.
Como eles se sentem com pouco a perder e precisam dar uma
demonstração de coragem e de solidariedade com
o grupo, ficam expostos e acabam indo para a cadeia. A essa
altura já sabem, há muito tempo, que conseguem
ganhar, em um dia na criminalidade, o que não fariam
em um mês honestamente - e, a essa altura, já
ficariam insensíveis à violência.
Quando chega à prisão, ele é um ser disciplinado
e treinado para obedecer às ordens do crime organizado.
Sabe que, nesse ambiente, a pena de morte faz parte de um
código de honra. Não pagar dívida, por
exemplo, é um deslize tido como, literalmente, mortal.
Ao sair da cadeia, ele sabe que a desobediência é
uma falta grave -e, além do mais, não teria
mesmo onde conseguir ganhar dinheiro fora da delinqüência.
A abundância de jovens sem perspectivas facilita a arregimentação
do PCC; o treino e a disciplina deles ajudam na organização
e nas ações arriscadas capazes de parar uma
das maiores cidades do mundo.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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