A volta
do emigrante que, de empregado na construção
civil, montou a própria rede de restaurantes em São
Paulo
Sozinho e pobre, Belarmino Fernandez Iglesias tinha 20 anos
quando deixou a pequena aldeia no norte da Espanha e chegou
a São Paulo, em 1951 - logo teria de aprender a comer
mal.
"Até hoje não me esqueço da tragédia
que era a comida na pensão em que eu morava."
Para sobreviver, trabalhava como empregado na construção
civil, onde a comida não era melhor. Passado todo esse
tempo, ele está de volta para trabalhar algumas semanas
do mês na Espanha - e só porque aprendeu a gostar
de comida.
Belarmino deixou a construção civil e foi trabalhar
de garçom numa pequena lanchonete em frente ao largo
do Paissandu. Alternava-se no caixa e, quando precisava, ajudava
na limpeza.
Foi aí que desenvolveu um exótico hábito,
o que fazia com que algumas pessoas o considerassem um tanto
maluco. Quando recebia o pagamento no final do mês,
ele vestia sua melhor roupa e ia ao restaurante Cabana, então
considerado a melhor churrascaria da cidade, de propriedade
da família de Massimo Ferrari, hoje dono do Massimo.
Sentava-se sozinho e estudava lentamente o cardápio.
Gastava mais do que poderia gastar para um garçom de
lanchonete. Não estava apenas querendo comer bem, longe
da pensão. "Já pensava em ter meu próprio
restaurante."
Acabou cavando um emprego de garçom no Cabana, onde,
além de desfrutar de um bom prato, teria todo o tempo
para aprender como se cuida de um restaurante. "Cada
dia era uma aula."
Conversador, foi fazendo amigos entre os clientes, muitos
deles ricos. Arrumou um sócio, e surgiria assim o Rubayat.
O sócio, libanês, adorava o poeta persa Omar
Khayan, autor, entre outras obras, de "Rubayat".
Não era um nome apropriado para uma churrascaria, mas
assim ficou. "Ele é quem tinha o dinheiro, eu
não podia reclamar."
Em 1957, nascia no centro da cidade o primeiro restaurante
daquele ex-garçom. Desde então, ele não
parou de crescer. Abriu novas casas nas regiões mais
nobres de São Paulo, agora ao lado do filho Belarmino.
Chegou a comprar uma fazenda para ter o suprimento de sua
própria carne.
Numa espécie de viagem de volta, ele e seu filho abriram
neste ano um restaurante em Madri, uma réplica do Rubayat
- um nome que soou estranho para os espanhóis, por
não ter nenhuma associação com o Brasil
nem com churrascaria, mais lembrando a culinária oriental.
Para ajudar a explicar a razão do nome, colocaram um
detalhe no cardápio. Em uma de suas páginas,
com destaque, existe um relato de vida: a história
de um emigrante espanhol que foi, sozinho, tentar a sorte
no Brasil. "Tive sorte e paciência", diz ele,
que completou neste mês 75 anos.
Desta vez, porém, o aniversário foi comemorado
na Espanha, onde estava trabalhando. "Sempre quis voltar
a ter um pé na terra em que nasci. Acho que isso faz
parte dos sonhos de todo emigrante. Queremos mostrar que vencemos."
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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