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O caso
do Jardim Elisa integra uma galeria de testes, são
arranjos que envolvem os mais diferentes atores com foco e
metas claras no país
A mais completa experiência brasileira de combate à
criminalidade ocorre hoje num bairro chamado Jardim Elisa
Maria, que fica na zona norte de São Paulo. Se bem
sucedido, o modelo desenvolvido será capaz de servir
de laboratório para todo o país. Nunca tantas
e tão diferentes entidades governamentais e comunitárias
trabalharam juntas num único território.
O Jardim Elisa Maria é mais uma amostra de poder paralelo
em regiões metropolitanas brasileiras, como se fosse
um território ocupado por um governo estrangeiro.
A maioria de seus habitantes mora em favelas e quase nenhum
dos jovens estuda ou trabalha. Há carência generalizada
em saneamento básico, saúde, educação,
cultura e lazer. O acesso às moradias dá-se
por vielas e escadões, que dificultam a coleta de lixo
e o trânsito de viaturas.
A mistura da exclusão com a geografia fez do lugar
uma espécie de fortaleza, prestando-se a refúgio
de marginais em geral e de lideranças do crime organizado
(PCC), bem como a cativeiro para seqüestros.
As estatísticas de homicídio e estupro na região
levaram o bairro ao topo do ranking de criminalidade da cidade
de São Paulo. Dizia-se que, naquele local, a polícia
não entrava.
Até por uma questão de desafio, entrou -e com
tudo. Em maio, foram designados 600 policiais militares para
fiscalizar durante 24 horas por dia o Jardim Elisa Maria.
Como seria previsível, os indicadores de criminalidade
melhoraram. Mas até quando? Não se poderia manter
uma multidão de policiais cuidando de um único
bairro, por mais caótico que fosse. Não estariam
enxugando gelo, a exemplo de várias operações
nos morros do Rio?
Na semana passada, ocorreu, no Palácio dos Bandeirantes,
sede do governo paulista, uma reunião com os principais
atores dessa ofensiva, para consolidar um modelo que evite
que a ação se transforme num vexame proporcional
ao estardalhaço repressivo, operado pessoalmente pelo
governador José Serra. Combinam-se 60 ações,
que aglutinam diversas secretarias e entidades dos governos
estadual e municipal nas áreas de esportes, segurança,
cultura, educação, trabalho, justiça,
tecnologia, assistência social e saneamento básico.
As tarefas devem ser executadas diretamente pelos próprios
secretários, não pelo segundo escalão
-o governador comanda essas reuniões.
Agregou-se ao grupo, entre outros, a ONG "Sou da Paz",
com um histórico de êxito na montagem de rede
no Jardim Ângela, região que chegou a ser apontada
como a mais violenta do planeta. Desde a semana passada, aderiram
médicos da USP especialistas em tratar drogados.
A rede é responsável não só pelo
policiamento repressivo e preventivo como também pela
limpeza dos córregos, pelo asfaltamento e pela iluminação
de ruas e escadões, pela construção de
escolas, de quadras esportivas, de praças e de um posto
de saúde, bem como pela concessão de renda mínima
às famílias e de cursos profissionalizantes
para jovens e adultos. Tudo isso se faz ouvindo as lideranças
locais.
O caso do Jardim Elisa faz parte de uma galeria de testes,
que ainda engatinha, do que existe de mais moderno em políticas
públicas. São arranjos que envolvem diferentes
atores com foco e metas claras. Ensaiam-se tais arranjos por
todo o país, que ficam muito bem no papel, fazem sentido,
são elogiados por todos, mas se perdem na incapacidade
gerencial. Não há gente formada nesse tipo de
articulação.
No próximo dia 5, o governo federal vai anunciar a
gestão unificada de seis programas para a juventude,
espalhados pelos ministérios. Busca-se dar mais R$
1 bilhão para a qualificação profissional
e a melhoria educacional de 4 milhões de jovens. Sem
contar a bolsa de R$ 30 para cada família cujo filho
entre 15 e 17 anos permanecer na escola.
É um cipoal de acertos que sai do Palácio do
Planalto, passa pelos ministérios, ruma para as secretarias
estaduais e municipais e, enfim, acaba numa operação
num bairro, parceira de uma entidade comunitária.
Mais complexo ainda é o projeto federal, batizado de
"Mais Educação". Envolve os ministérios
da Saúde, do Desenvolvimento Social, da Ciência
e Tecnologia, do Trabalho, da Cultura, dos Esportes e do Meio
Ambiente, que atuam em conjunto para que, propagando-se em
ações estaduais e municipais, se monte uma malha
de apoio às escolas. Isso significa, por exemplo, que
os agentes de saúde da família vão visitar
os colégios, e os estudantes estariam mais próximos
dos diversos espaços culturais e esportivos. O plano
é baseado na experiência dos bairros educativos,
desenvolvida, ainda em pequena escala, nas metropóles.
Ainda é muito cedo para saber o que vai dar certo
nisso tudo. Não é porque a receita é
boa que o bolo sai bom das mãos do cozinheiro, mas
não há dúvida de que esses cruzamentos
que vemos no Jardim Elisa Maria são o único
caminho consistente para dar eficiência às políticas
públicas -o resto, sem exagero, é desperdício
de dinheiro.
PS - Pela minha vivência em regiões conflagradas
de cidades como Boston, Nova York, Colômbia e Bogotá
- ou, no caso brasileiro, na região do Jardim Ângela-,
posso dizer que o modelo do Jardim Elisa só dará
errado se houver catástrofe gerencial, que comprometeria
a imagem de administrador do governador José Serra.
Seguindo a mesma receita, mas com menos recursos, Bogotá
virou um exemplo mundialmente aplaudido de combate à
violência.
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Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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