No topo do
morro do Socorro, uma das favelas da Comuna 13, onde se concentrava
a violência de Medellín, Harold Sanchez, 36,
um negro alto e musculoso, aprecia a vista, na manhã
ensolarada de 28 de setembro. "Adoro ficar vendo a paisagem",
diz, abrindo um sorriso. Rapidamente, ele informa que há
o motivo. Preso sob acusação de seqüestro
-"uma injustiça"-, foi libertado há
poucos meses da penitenciária, onde ficou por sete
anos.
Na prisão, ele participou de uma articulação
para tentar reduzir a insegurança de Medellín,
à qual se deve parte do avanços dos indicadores
de homicídio. Muitas das lideranças do crime
organizado estavam na penitenciária Bela Vista em que
Sanchez cumpria pena e que, no passado, foi conhecida como
a mais violenta do mundo. "Fui contatado pelo governo
para ajudar a realizar o entendimento entre as lideranças."
Lá se encontravam chefes de gangues, narcotraficantes,
grupos paramilitares da AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia)
e da guerrilhas como Farc e ELN; não raro, eles se
acertavam lá dentro, só que no campo de futebol,
enquanto as guerras prosseguiam do lado de fora. "Com
um entendimento dentro da prisão, a briga poderia se
acalmar nos bairros", raciocinava Sanchez. O comando
seria obedecido. Isso reforçava as conversas feitas
pelo governo do presidente Álvaro Uribe para que os
paramilitares se desmobilizassem e, com isso, tivessem ajuda
para a reintegração na sociedade.
Eram negociações complexas. Em Medellín,
a violência estava tão integrada ao cotidiano
que os assassinos se sentiam protegidos por Deus. Eram devotos
da Virgem Maria de Auxiliadora. Um padre chegava a benzer
não só os matadores, mas as motos usadas nos
ataques. Narcotraficantes eram católicos fervorosos
e ofereciam doações às igrejas e aos
mais pobres. Havia uma rede de corrupção que
envolvia Judiciário, polícia e imprensa. A regra
era a impunidade. Via-se o narcotráfico como, no Brasil,
vemos o jogo do bicho.
Por isso, segmentos da sociedade criaram programas para estabelecer
novos valores, com destaque à juventude. Livre, Sanchez
integra uma dessas ações. Seu emprego é
levar jovens das escolas públicas para conversar com
presos para que entendam o risco que correm ao caírem
na marginalidade.
Coluna
originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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