Limpando
a gritaria eleitoral, é inegável que o brasileiro
tem cada vez mais controle dos trâmites de recursos
oficiais
As seguidas denúncias de corrupção,
amplificadas ainda mais no período eleitoral, transmitiram
uma deprimente sensação à opinião
pública - a de que o país está perdendo
a guerra contra a corrupção.
Errado: apesar de derrotas localizadas, em meio a indas e
vindas, o Brasil está ganhando essa guerra.
Ainda é difícil, neste momento emocionalizado
com seus mensalões, sanguessugas e tentativas de compra
de dossiê com dinheiro clandestino, perceber com clareza
a consistência crescente dos mecanismos, dentro e fora
da esfera pública, de controle do Estado.
O presidente Lula ilude ao tentar se desvincular de todas
as mazelas, como se fosse uma virgem administrando um bordel.
A oposição, por sua vez, em especial o PSDB,
distorce ao falar em "mar de lama", sugerindo que
se perdeu o controle; os tucanos comportam-se como se nunca
tivessem tido envolvimento com fundos ilegais de campanha.
Limpando a gritaria eleitoral, um fato é inegável:
o cidadão brasileiro tem cada vez mais controle sobre
os trâmites de recursos oficiais.
Não perceber isso é desinformação
ou, pior, desonestidade intelectual, assim como não
saber que ainda persistem graves desvios de dinheiro.
Vamos a um pouco de história.
Até pouco tempo atrás, os governadores usavam
e abusavam dos bancos estaduais; a imensa maioria deles foi
privatizada, depois de amplo enfrentamento com grupos de pressões.
As contas públicas eram um emaranhado incompreensível
porque havia três orçamentos: o dos governos,
o das estatais e o monetário. Boa parte desses recursos
nem sequer era apreciada pelos deputados e senadores.
Lembro-me das terríveis brigas para garantir que o
Banco do Brasil continuasse produzindo dinheiro por meio de
um mecanismo chamado "conta-movimento", que o autorizava
a dar ordens ao Banco Central.
Grosseiramente comparando, era algo parecido ao adolescente
ter o direito ao cartão de crédito do pai -e
o pai a obrigação de obedecer às estripulias
financeiras do filho.
A corrupção diminui, em parte, apenas porque
as imensas estatais foram simplesmente privatizadas. Uma de
nossas grandes conquistas foi a Lei de Responsabilidade Fiscal,
que contribuiu para que fosse amenizada a fúria de
gastos dos governos.
O Ministério Público ganhou poderes e passou
a dar mais dores de cabeça aos governantes. A Polícia
Federal ganhou mais força e vem desbaratando quadrilhas.
Apesar de toda a histeria por holofotes -e , muitas vezes,
da péssima qualidade das investigações-,
as CPIs amedrontam os atuais e futuros delinqüentes.
Criou-se a Controladoria Geral da União (CGU), que
vem descobrindo uma série de falcatruas nas prefeituras.
Alguns de nossos melhores repórteres estão focados
na descoberta de escândalos, sempre com muito espaço
para divulgação.
As novas tecnologias de informação favorecem
a localização de dados, além de permitirem
a racionalização de gastos oficiais. Estão
se tornando rotina na administração pública
os leilões, que revelam como se pode economizar.
Há ainda enormes falhas, é verdade. Uma delas
é a ineficiência dos conselhos municipais com
representantes dos governos e da sociedade para fiscalizar
os gastos em áreas como saúde, educação,
assistência social etc.; esses conselhos se transformaram,
na maioria das vezes, em apêndices do setor público.
Uma das ações urgentes é capacitar esses
conselhos. A lerdeza da Justiça e a profusão
de recursos protelatórios acabam favorecendo a impunidade.
Outra, muita grave, é a baixa escolaridade brasileira,
que se traduz na incapacidade de ler e entender notícias.
Além disso, verifica-se o aumento do prestígio
da idéia de que todos os políticos são
iguais e do "rouba mas faz".
Mas deixar de reconhecer a criação e o aprimoramento
de mecanismos de controle do Estado -e aí se inclui
a roubalheira- é, além de desonestidade intelectual,
um desrespeito e uma injustiça a um grande grupo de
brasileiros que, na imprensa, no Ministério Público,
no Congresso, na polícia e em entidades não-governamentais
não desistiram diante do clima generalizado de impunidade
e de desperdícios.
P.S. - Um dos perigos de não mostrar esse fato é
que as pessoas deixem de acreditar na democracia e acabem
apostando em pretensos salvadores da pátria.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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