Ele sabia
que seria difícil explicar aos clientes por que abrir
uma agência lá. E não seria fácil
atrair profissionais
Quem caminhar pela rua do Triunfo, no centro da "cracolândia",
símbolo máximo da deterioração
da cidade de São Paulo, certamente não verá
a discreta porta de vidro fosco branco, no número 51.
Cruzar aquela porta produz um imediato choque visual. Distante
da balbúrdia das calçadas sujas e dos prédios
deteriorados, há um galpão de 1.000 m2 com ambiente
"clean", móveis contemporâneos e computadores
para design gráfico. Em meio à modernidade,
instaladas num mezanino, estão dependuradas redes para
que os funcionários possam se embalar e afastar o estresse.
"Foi um achado", orgulha-se o publicitário
Sérgio Rinaldi.
Tudo começou com a simples vontade de realizar um
bom negócio. Na busca de um lugar para montar sua agência
de publicidade, a Fess", Sérgio viu quanto iria
gastar em regiões nobres, que causariam melhor impressão
aos seus clientes, alguns dos quais empresas multinacionais.
"Não deu." Achou, então, esse galpão
abandonado na rua do Triunfo, onde transitam prostitutas,
crianças se viciam com crack e ocorrem espalhafatosas
batidas policiais. O aluguel do galpão saiu por R$
2,5 mil mensais. "Um aluguel de um espaço desse
tamanho na Vila Olímpia, por exemplo, custaria pelo
menos R$ 25 mil mensais."
Sabia que seria difícil explicar para os clientes
por que abrir uma agência na "cracolândia".
Também não seria fácil atrair os profissionais.
"A primeira ação foi fazer um projeto arquitetônico
de impacto." Daí a idéia, exótica,
de espalhar as redes para os funcionários descansarem
durante o horário de trabalho, em meio à decoração
moderna.
Um dos desafios da agência é fazer de um problema
uma solução -ou seja, tirar proveito do marketing
da "cracolândia". Aposta-se na recuperação
do centro, no geral, e da "cracolância", em
particular. Agora batizada de "Nova Luz", a região
vem recebendo investimentos culturais como o Museu da Língua
Portuguesa, a Estação Pinacoteca e a Sala São
Paulo. Foram anunciadas desapropriações, construção
de prédios públicos e estímulos fiscais
para quem se instalar no bairro. O plano mais arrojado é
atrair empresas da tecnologia da comunicação.
"Apostamos na virada", diz Rinaldi.
É uma aposta do tipo da que ocorreu em bairros nova-iorquinos
deteriorados, como Soho e Tribeca, que se tornaram áreas
badaladas e disputadas -é certo, claro, que São
Paulo não tem o dinheiro de Nova York nem o espírito
comunitário e empreendedor dos americanos.
A Fess" decidiu ajudar gratuitamente o poder municipal
a vender o conceito da "Nova Luz" como uma experiência
urbanística -e só terá sucesso se as
pessoas se dispuserem a trabalhar e a viver lá. "Estamos
felizes trabalhando e nos sentindo pioneiros nessa experiência."
Um fato está ajudando o ânimo pioneiro da agência.
Um dos maiores temores dos funcionários - a violência
- por enquanto ainda não se justificou. A agência
está instalada na região desde março.
Só um empregado foi assaltado. Furtaram das mãos
de uma de suas recepcionistas um saco de batata fritas.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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