A cada
disputa eleitoral, mais cidadãos aprendem que o avanço
de um país não depende de seres iluminados
Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada revelou que
apenas 6% dos eleitores mudaram seu voto na disputa à
Presidência. É mais um entre tantos sinais de
desinteresse neste pleito. Não é, necessariamente,
má notícia: a chatice eleitoral reflete uma
série de aprendizados dos brasileiros.
O ambiente de modorra ocorre, em boa parte, porque o desfecho
das urnas parece, até aqui, previsível. Mas
também porque faltam propostas polêmicas, dessas
de despertar paixões e temores. Há quem diga
que a desilusão crescente com os políticos,
com seus mensalões e sanguessugas, aumentou o descrédito
dos cidadãos com a vida pública. Os militantes
petistas, com sua indispensável coreografia nas ruas,
estariam apáticos.
Há um lado educativo por trás da chatice: o
amadurecimento do país, no geral, e do eleitor, em
particular.
Com Lula no poder, o PT levou um banho de realidade e teve
de abandonar o discurso salvacionista. Basta ler o programa
do presidente para um eventual segundo mandato, lançado
na semana passada. É um aglomerado de generalidades
e obviedades, sem compromisso com metas concretas, distante
daqueles tempos heróicos. Vendia-se a sensação
de que se poderia mudar tudo rapidamente, da política
econômica aos maus costumes. Precisaria de "vontade
política" e disposição de enfrentar
as elites, o imperialismo, o neoliberalismo, os marajás,
o FMI, o regime militar, e assim por diante.
O Brasil não valoriza aloprados como Chávez,
desnorteados nativistas como Evo Morales ou ditadores como
Fidel. Optou-se, mesmo em amplos segmentos da esquerda, pela
racionalidade do superávit primário e de metas
inflacionarias.
A cada disputa, mais cidadãos vão aprendendo
que o avanço de um país depende de uma conjugação
de esforços, e não de seres iluminados, com
soluções mágicas. Por mais que tente
se diferenciar de seu antecessor, Lula não teria uma
inflação tão baixa se não fosse
o Plano Real. Nem conseguiria lançar (e melhorar) o
Bolsa-Família se não herdasse os programas de
renda mínima que lhe foram deixados.
O avanço social do país está atrelado
a reformas difíceis de serem explicitadas num ano eleitoral.
Sem redução de gastos, o crescimento econômico
será rastejante. Terão de mexer, mais cedo ou
mais tarde, em vespeiros como as aposentadorias.
Estamos numa situação em que as demandas sociais
não param de crescer e os impostos já chegaram
ao limite do suportável. Os governantes terão
de colocar o aprimoramento da gestão, para melhorar
o gasto, como uma alternativa inescapável. É
um debate chato, cheio de números, enfim, modorrento.
Quanto se fala em gestão, fala-se em complexas redes
de articulação de políticas públicas
-mais uma vez, um assunto técnico e intrincado. Os
candidatos à Presidência juram, por exemplo,
que a educação será uma prioridade sagrada.
Mas as escolas estão nas mãos dos governadores
e dos prefeitos. Bobagem um presidente ficar falando sozinho
em Brasília sem montar essas parcerias. O que se faz
hoje em ensino colhe-se muito tempo depois.
Vamos aos poucos aprendendo que as articulações
locais são a principal base para a melhoria da saúde,
da educação e até da segurança.
Não é por acaso que as eleições
das prefeituras, especialmente em São Paulo, foram
muito mais animadas. No caso paulistano, ainda tínhamos
uma disputa acirrada.
A atual chatice vem, em parte, da falta do charme da ruptura:
suspensão de contratos, calote de dívidas, nacionalização
de empresas, grandes aumentos do salário mínimo.
Reduziu-se o clima das bravatas e jogadas de marketing, como
a da caça aos marajás. Até porque há
mais rigor nas sabatinas da imprensa.
Há uma relativa calmaria. A democracia tornou-se rotina,
não há convulsão na rua, a inflação
está baixa, o país está crescendo pouco
-mas existe algum crescimento-, não se fala em fuga
de capitais, há abundância de dólares,
o petróleo não deixa mais o Brasil tão
vulnerável. Apesar de timidamente, os indicadores sociais
evoluem. Lula, o ícone das rupturas, transformou-se,
para o bem e para o mal, num símbolo da estabilidade.
Nada disso indica que o Brasil seja civilizado. Basta ver
a violência urbana, o desemprego juvenil, a ignorância
generalizada, a falta de estímulos à produção
e a corrupção.
Indica que estamos menos ingênuos e mais previsíveis
e esclarecidos.
P.S. - Imprevisível mesmo foi como artistas e intelectuais,
em razão de suas preferências, jogaram para o
alto a questão da ética. Institucionalizaram
o "rouba mas faz". É a cultura a serviço
do cinismo.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|