Como
transformar um ponto degradado da cidade numa feira que atraia
jovens em busca de música
Mesmo nos tempos mais graves do esvaziamento das ruas da
região central, tomadas por mendigos, meninos de rua
e drogados, a Galeria do Rock não se abalou. Não
parou de receber as romarias de jovens das mais diversas classes
sociais e tribos em busca de discos de vinil, roupas de grife
exclusiva, instrumentos musicais e até cortes de cabelo
estilizados. A Galeria do Rock está se preparando agora
para ganhar as ruas -mais precisamente uma praça. Por
trás dessa operação está Cauê
de Luca, guitarrista nascido no Brás que, após
tentar, sem sucesso, manter uma banda, seguiu as carreiras
de DJ e produtor musical. Com o apoio do poder público,
ele vem organizando, há três anos, no largo do
Paissandu, bem em frente à galeria, shows musicais
gratuitos. "A cidade tem uma escassez de atrações
culturais, especialmente para o pessoal da periferia."
Dessa iniciativa, eventual, veio a idéia de cuidar
do largo Paissandu, quase sempre sujo, os jardins descuidados.
Providenciou-se, então, um projeto de paisagismo, cujas
obras devem começar em setembro. Para ocupar melhor
o espaço, optou-se por promover nos finais de semana
uma feira que misturasse gastronomia, artesanato, tatuagem
e, claro, música. "A feira vai manter, nos domingos,
o centro agitado e atrair jovens de todas as partes."
Cauê imagina que consiga fazer uma versão alternativa
da feira da Liberdade, quase sempre cheia de visitantes. Com
a diferença de que, no Paissandu, o público
será de jovens. A praça faz parte de um plano
de ação de maior envolvimento com a cidade,
inclusive habilitando jovens a fazer da música profissão.
"Uma das nossas atenções será a
"cracolândia'", diz Cauê, que ajudou
a criar, ali, na rua do Triunfo, uma vez por mês, a
Rua do Rock, com shows gratuitos ao ar livre. A região
da Luz está passando por um processo de revitalização
e ainda não se sabe o que fazer com aqueles jovens
viciados.
O que se pretende é promover, em salas da galeria,
oficinas para consertos de instrumentos musicais. Além
disso, serão oferecidas aulas de guitarra e percussão.
"Com o tempo, queremos oferecer as mais diversas oficinas,
inclusive para a produção de espetáculos."
Cauê parte da premissa, inquestionável, de que
a música é uma isca de inclusão de jovens
-e, por isso, eles irão além do rock, abrindo-se
para o rap, o reggae e, talvez, até o samba. "Os
meninos têm fome de aprendizagem, precisam se ocupar
com algo."
Os projetos de Cauê são mais altos -literalmente.
Já está pronta uma planta para a criação
de um inusitado palco. Além de ocupar sua frente, na
praça, a Galeria do Rock quer construir em seu terraço,
no último andar, um auditório a céu aberto
para apresentações. "Acho que iria dar
inveja nos Beatles de não terem tocado nesse palco",
diz, vislumbrando o som da guitarra misturando-se à
paisagem paulistana vista do alto. Nem precisaria subir no
terraço. Misturar rock, inclusão social e recuperação
urbana já seria uma visão de São Paulo
nas alturas.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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