Pesquisa
mostra que estudo é um estímulo ao progresso
profissional feminino, mas não ao enlace matrimonial
As mulheres com curso superior completo têm mais dificuldade
de casar - ou, então, preferem ficar sozinhas- do que
aquelas com baixa escolaridade. Na faixa dos 20 aos 29 anos,
das 686.997 mulheres com diploma de ensino superior, 416.557
-60,63%- são solteiras. Entre as com menos de três
anos de escolaridade, essa taxa desce para 21%. Entre 30 e
39 anos, para mulheres com nível universitário,
o índice de solteirice é de quase 25%; nas de
pouca escolaridade, é de cerca de 9%. De 50 a 59 anos,
permanece a disparidade: 16% e 5%. Traduzindo a numeralha:
o estudo é um estímulo ao progresso profissional
feminino, mas não necessariamente ao enlace matrimonial.
Isso ajuda a explicar por que, no Brasil, as mulheres mais
instruídas têm, em média, apenas um filho.
Para o demógrafo José Eustáquio Alves,
da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do
IBGE, essa dificuldade matrimonial revela que, quanto maior
é o nível educacional da mulher, menor é
a importância conferida a casamento e filhos. A lição
das mulheres solteiras é, segundo ele, um pequeno detalhe
de uma tendência pouco conhecida -o "bônus
demográfico". "O país nunca teve uma
situação populacional tão favorável
como agora. Se soubermos aproveitá-la, conseguiremos
reduzir mais rapidamente a pobreza."
Em parceria com o demógrafo Miguel Bruno, com quem
trabalha no IBGE, José Eustáquio lançou
um estudo mostrando que a permanente queda da taxa de fecundidade
-atualmente ela é de dois filhos por mulher- produz
uma situação inusitada. Até o final da
década de 60, as estatísticas indicavam seis
filhos por mulher. Essa mudança diminui a pressão
por mais gastos sociais para a infância, por exemplo.
Tanto que a pressão hoje é menos pela quantidade
de alunos na escola do que pela qualidade do ensino. Em alguns
bairros de classe média, as escolas públicas
estão subutilizadas, e muitas delas até fecharam
por falta de matrículas. O "bônus demográfico",
apontado pelos pesquisadores, é resultado de uma combinação:
diminui a presença de crianças enquanto cresce
apenas lentamente o número de idosos. Isso quer dizer
o seguinte: são menos brasileiros, crianças
ou idosos, dependentes, para uma crescente população
economicamente ativa. "Isso não vai mais se repetir",
acredita José Eustáquio. Para simplificar, basta
imaginar uma casa cujas despesas são divididas por
adultos, todos empregados. E que, depois de algum tempo, a
metade deles já não trabalhe, mas as contas
permaneçam as mesmas.
Esse "bônus" só vai ser produzido
se, nas próximas duas décadas, tivermos um crescimento
razoável, o que geraria mais renda e empregos. Já
em 2030, de acordo com os cálculos dos dois demógrafos,
a parcela de idosos vai aumentar rapidamente. Se já
pagamos hoje 12% do PIB com aposentadorias, imagine então
no futuro. O "bônus" significará também
que os trabalhadores aposentados terão acumulado algum
patrimônio a ser usado na velhice e, assim, se manterão
consumidores ativos. Caso a chance seja perdida, o "bônus"
inverte o sinal: além de demandarem mais recursos públicos,
os idosos pouco contribuirão economicamente.
Esse é apenas mais um aspecto para mostrar o custo
de não serem implementadas as reformas necessárias
para aumentar o nível de emprego. A questão
de fundo mais relevante dessas eleições é
que perdemos várias oportunidades históricas,
quando o Brasil era a nação que mais crescia
no mundo: não se incluíram os ex-escravos na
sociedade, não se investiu em educação
básica, não se criaram mecanismos de distribuição
de renda. Mais recentemente, aumentaram-se os impostos e a
dívida pública, mas o investimento público
caiu, e perdemos a chance de acompanhar a efervescência
planetária, que, de acordo com muitas previsões,
será arrefecida a partir do próximo ano -e,
assim, corremos o risco de desperdiçar essa inusitada
vantagem demográfica.
P.S. - Por falar em desperdício, é incrível
que a questão populacional não faça parte,
nem remotamente, dos debate eleitorais. Entre as famílias
mais ricas e instruídas, a taxa de fecundidade é
de um filho por mulher. Entre as mais pobres e menos instruídas,
porém, é de seis filhos por mulher. Se apenas
cumprissem a lei e disseminassem o planejamento familiar,
o combate à miséria seria menos difícil.
Esse é um dos nossos grandes crimes de omissão.
Um ótimo exemplo veio, na semana passada, do Chile,
onde se anunciou a distribuição gratuita da
chamada "pílula do dia seguinte".
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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