Ele
tinha um bom emprego e até casa na praia, mas acabou
morando na rua. E hoje se prepara para recomeçar
Sérgio Paschoal Pinto tinha casa, apartamento na praia
e um bom emprego em uma empresa de informática aplicada
ao gerenciamento de recursos humanos - mas acabou literalmente
na rua. Endividado, quebrou financeiramente, separou-se da
mulher e dos filhos. Viveu por algum tempo nos fundos de um
pequeno imóvel de um sobrinho.
No final de de 2004, ficou duas semanas dormindo em bancos
de praça, em meio a bêbados, mendigos e drogados.
"Imagine como eu me sentia naquele momento. Além
de não ter dinheiro e estar sozinho, era Natal."
Jamais poderia imaginar que, naquele ambiente aparentemente
sem nenhuma perspectiva, aprenderia uma nova atividade ligada
a recursos humanos e voltaria a ter um emprego estável.
E, ainda por cima, conseguiria entrar numa universidade pública.
Sem ter como pagar aluguel, Sérgio, então
com 56 anos, saiu das praças e começou a morar
num albergue público no Brás. "Só
ficava me lembrando dos tempos em que vivia com minha mulher
e meus filhos." Salvou-se por causa de um programa da
prefeitura para transformar ex-moradores de rua em agentes
de saúde -e, justamente, para cuidar de moradores de
rua.
Aprendeu noções sobre hepatite, tuberculose,
AIDS e diabetes, entre outras doenças comuns em habitantes
de rua. Foi, então, indicado para trabalhar num centro
de saúde do Itaim Bibi, bairro de classe média
alta. "Pensei que não teria nenhum serviço
por lá." Estava enganado.
Em pouco tempo, já tinha cadastrado cem pessoas. Sua
missão era convencê-las a cuidar de sua saúde
e aceitar viver em abrigos. "Estabeleci um vínculo
forte com eles. Podia entender o que sentiam, e isso facilitava
a conversa."
Conheceu personagens que o intrigavam. Era o caso de Décio,
que vivia, com mulher e filhos, numa casa abandonada do Itaim
Bibi. Carroceiro, Décio conseguiu ter uma boa relação
com restaurantes do bairro, alguns deles freqüentados
pela elite paulistana. Coletava comida que sobrava e, num
delivery voluntário, a dividia com moradores de rua
região, que, sem saber, saboreavam peixes e filés
temperados com sofisticados molhos franceses e italianos.
Graças à sua escolaridade e à habilidade
em recursos humanos, Sérgio ganhou, há dois
meses, uma promoção: um emprego fixo na Unidade
Básica de Saúde do Itaim Bibi. Sua tarefa é
receber as pessoas que chegam ali e ajudá-las a se
orientar. "Ainda estou morando no albergue público,
mas, com o salário, estou me preparando para alugar
um apartamento."
Voltou a fazer planos como nos tempos em que, orgulhoso -"eu
era, reconheço, até mesmo arrogante"-,
trabalhava como especialista em processamento de dados da
empresa e chegou a estudar na Fundação Getúlio
Vargas, mas não conseguiu concluir o curso. Neste ano,
prestou vestibular para a recém-criada Universidade
Federal do ABC, onde pretende começar a estudar no
próximo ano e se aprofundar em informática.
"Quem sabe, dessa vez, posso ter minha própria
empresa."
Contato: Sérgio
Paschoal Pinto - paschoalls@yahoo.com.br
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Urbanidade.
Ruas
discute arte urbana
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