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Na sexta -feira à noite, completaram-se
66 dias sem um assassinato no Jardim Ângela, distrito da zona
sul de São Paulo com 250 mil habitantes e apontado pela ONU,
em 2000, como a região mais violenta do mundo- naquele ano,
ocorreram ali, em média, 60 homicídios mensais.
É um dos casos mais extraordinários já produzidos no Brasil
de ensaio contra a violência, refletindo tendência, embora
em menor intensidade, em toda a região metropolitana de São
Paulo.
De acordo com dados tabulados na semana passada a partir do
registro de óbitos, de janeiro a agosto deste ano, comparados
com o mesmo período de 2004, caiu em 22% o número de assassinatos
cometidos no município de São Paulo. Se a média for mantida
até dezembro, em cinco anos a redução terá se aproximado dos
50%. Nova York virou atração mundial quando esse índice caiu
em 30%. Esses números me fazem votar pela proibição do comércio
de armas, mas sem nenhuma ilusão - aliás, há o risco de o
referendo transmitir a falsa idéia de que, com a vitória do
"sim", a taxa de violência despenque.
Desarmar é apenas um dos ingredientes, entre tantos, para
reduzir a violência: quem não informar essa obviedade, com
toda a clareza, estará enganando o eleitor e levando-o a uma
frustração capaz de abalar a convicção em referendos.
No debate sobre as causas da queda dos homicídios em São Paulo
- ninguém mais questiona que a tendência é real, embora se
discorde da sua intensidade-, há uma série de apostas: 1)
maior eficiência da polícia e, em especial, do policiamento
comunitário; 2) articulação comunitária com a implementação
de programas de inclusão de crianças e adolescentes; 3) mudanças
demográficas, com menor quantidade de jovens na população;
4) bolsas de complementação de renda; 5) escolas abertas nos
finais de semana; 6) fechamento dos bares antes das 22h. Há
também quem diga que, entre as causas, está o movimento de
desarmamento -aliás, nascido em São Paulo graças a alunos
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Possivelmente, todos esses fatores influenciaram, em alguma
medida, o índice de homicídios em São Paulo que, apesar das
boas novidades, continua alto para padrões de civilidade.
Neste contexto de tantas ofensivas combinadas não há dúvida
de que o desarmamento é a cereja do bolo.
Olhando em detalhes o mapa dos assassinatos, vemos que os
resultados mais exuberantes foram obtidos nas localidades
em que melhor aglutinaram todas aquelas iniciativas e se entrosaram
políticas públicas, como Jardim Ângela. Combinaram-se ali
policiamento comunitário (integrando inclusive as polícias
Militar e Civil e a Guarda Municipal); redução do horário
de funcionamento dos bares e tratamento do vício de drogas,
a começar do álcool; oferta de cursos profissionalizantes
e de complementação educacional em sistema de pós-escola;
abertura de áreas de lazer, cultura e esportes.
No mais, a comunidade do Jardim Ângela, em boa parte graças
à liderança do padre irlandês Jayme Crowne, estabeleceu como
prioridade comum reduzir a barbárie. O tema uniu líderes católicos,
evangélicos e umbandistas; uniu donas-de-casa e educadores.
Mesmo com toda essa engenhosidade que transformou, desta vez
positivamente, o Jardim Ângela numa referência mundial, a
situação está bem longe da paz. Afinal, o desemprego atinge
mais de 70% de seus jovens.
São múltiplas as causas de violência e, logo, são múltiplas
as medidas necessárias para enfrentá-las. A prevenção se inicia
quando a criança acaba de nascer e lhe é assegurada proteção
e se estende na estrutura familiar e na escola de qualidade.
Está correta a afirmação do pessoal do "sim" de que um cidadão
armado não está protegido diante de um marginal treinado e
acostumado a atirar, muitas vezes sob efeito de droga. Alguém
que perde o controle é capaz de fazer um estrago ainda maior
se estiver com um revólver.
Como toda a eleição acaba simplorizando o que é complexo
para atrair o voto, está se disseminando, mesmo que involuntariamente,
uma ilusão. Imaginar que o desarmamento é essencial na redução
da barbárie é algo parecido a supor que, com o fim da peixeira,
os cangaceiros estariam imobilizados ou que, sem arco-e-flecha,
os índios, no passado, sempre viveriam em paz.
O melhor de tudo -e isso é extraordinário- é o fato de o
referendo ter mobilizado o Brasil, em níveis jamais vistos,
para o debate sobre as causas da violência. E trouxe a chance
de mostrar experiências engenhosas como as do Jardim Ângela,
Heliópolis, Paraisópolis e Diadema. São casos que mostram
que dá para enfrentar a barbárie.
Com toda a convicção, voto "sim", mas sem nenhuma ilusão.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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