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Se o nível de desemprego dos jovens
mais ricos das regiões metropolitanas brasileiras, educados
nas melhores escolas, já é ruim, imagine então o que sobra
aos mais pobres. Entre os mais ricos, o índice de desemprego
é de 22%; entre os mais pobres, gira em torno de 60%. A tradução
é devastadora.
Segundo pesquisa divulgada na segunda-feira pelo Dieese, 1,6
milhão de brasileiros entre 16 e 24 anos procuram e não encontram
uma vaga no mercado de trabalho em Salvador, São Paulo, Porto
Alegre, Recife, Belo Horizonte e Distrito Federal. De cada
100 jovens mais pobres, cerca de 70 estão sem emprego, formando
guetos urbanos de seres sem perspectiva. Está aí uma de nossas
mais graves armadilhas, quase invisível na taxa média de desemprego.
Junto com essa armadilha há uma estupidez visível.
A estupidez se resume no seguinte: sobram desempregados e,
paradoxalmente, sobram também empregos. É uma situação tão
estranha que as pessoas não conseguem entendê-la. Ou não acreditam
que seja verdadeira.
Mas é o que se vê nas estatísticas de empresas e instituições
de recrutamento profissional. Para cada dez vagas oferecidas
em São Paulo, apenas quatro são ocupadas. Motivo: falta de
qualificação de candidatos até mesmo para postos de padeiro,
vidraceiro, confeiteiro ou torneiro mecânico.
Essa desproporção entre postos oferecidos e trabalhadores
aptos a ocupá-los é o resultado do despreparo de quem não
consegue o emprego e do desastre de políticas públicas.
A primeira explicação é a legião de 75% de brasileiros com
algum tipo de analfabetismo - isso sem contar o analfabetismo
digital. Entende-se, aí, por que, segundo o relatório divulgado
pelo Banco Mundial na terça-feira, a falta de educação de
qualidade é um fator de manutenção das desigualdades, ao dificultar
o acesso ao emprego e à renda. No campeonato da desigualdade,
lembrou o relatório, só perdemos para Suazilândia, República
Centro-Africana, Botsuana e Namíbia, todos países africanos.
Na coluna passada, divulgamos a informação, mais uma vez do
Banco Mundial, de que, num rol de 155 nações, o Brasil estava
em 119º lugar entre os piores e melhores países para abrir
negócios.
A dificuldade de preencher as vagas se explica também por
que o país não investiu e não investe como deveria em cursos
profissionalizantes. Basta comparar o número de matrículas
no ensino universitário com o de ensino técnico superior.
São quase 4 milhões contra 60 mil.
Mesmo assim, as demandas que aparecem na sociedade são por
vagas nas universidades públicas, gerando a discussão das
cotas, e não por mais lugares nas faculdades de tecnologia
ou no ensino médio técnico, nos quais o grau de empregabilidade
é altíssimo. Dos alunos que freqüentam, em São Paulo, um curso
superior para tecnólogo, 89% estão empregados e ganham uma
média salarial de R$ 1.800 por mês.
Comparando-se os custos, encontramos o seguinte: formar um
tecnólogo sai por R$ 3.000 anuais; um aluno de universidade
pública, R$ 8.000.
Some-se a isso que as políticas de geração de emprego para
a juventude ainda estão engatinhando. Temos desde monumentais
fracassos, como o programa Primeiro Emprego, até ações federais,
estaduais, municipais que não se comunicam e, muitas vezes,
até competem entre si. Os resultados até agora são, na melhor
das hipóteses, tímidos. A lei da aprendizagem, que poderia
colocar centenas de milhares de adolescentes recebendo aulas
nas empresas, não recebe impulso oficial, provavelmente porque
sancionada no governo passado.
Quando passar a onda de denúncias de corrupção e o país discutir,
no debate eleitoral do próximo ano, outras questões essenciais,
inevitavelmente teremos de ir a fundo na questão do emprego
do jovem. Afinal, está em jogo a capacidade de os jovens acreditarem
neles e no seu país; o que ocorre é um massacre, além de material,
psicológico. A falta de emprego forma párias.
Estão em jogo o crescimento e a segurança do país, preso nas
mais diversas armadilhas para investir e gerar empregos -a
burocracia e os altos impostos - e na armadilha da precária
formação dos trabalhadores. Na semana passada, aliás, mais
uma pesquisa, desta vez da Fiesp, mostrou que estamos quase
na lanterna no quesito produtividade se comparados com outras
43 nações. Saímos derrotados, por exemplo, pela Venezuela
e pela Argentina. Se colocarmos na balança o custo dessas
armadilhas, veremos que são dezenas de bilhões de reais desperdiçados
em mais empregos e, pior, em vidas. O jovem, principal vítima
da violência no país, é a ponta visível desse custo.
PS - Vale a pena prestar atenção em uma experiência do Sebrae
para disseminar em escolas públicas a noção de empreendedorismo
- ou seja, a habilitação para o jovem ser protagonista em
diferentes atividades, inclusive em negócios. A partir desses
treinamentos surgem jovens que descobrem que podem abrir um
negócio ou participar de uma cooperativa. Uma das tarefas
contemporâneas das escolas é estimular o protagonismo - a
começar por projetos comunitários, que se prestam como um
treino para os desafios do mercado de trabalho.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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