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Em 2002, a Embraer iniciou um
teste que nada tinha a ver com aviação. Montou um laboratório
educacional para colocar estudantes de baixa renda nas melhores
universidades públicas -considerando a realidade brasileira,
um desafio tão grande quanto ganhar mercados internacionais
para aviões.
Selecionados pela empresa na rede pública de São Paulo, alunos
de ensino médio começaram a ter nove horas diárias de aula.
Além de recuperar conhecimentos que deveriam já ter sido aprendidos
no passado, eles submeteram-se a um currículo com ênfase em
experimentação e vivências culturais. O resultado apareceu
no início deste ano, quando saíram as listas dos aprovados:
89% entraram no ensino superior. Quase metade deles em universidades
federais e estaduais.
Pode-se argumentar que a eficiência da escola criada pela
Embraer se deve, pelo menos em parte, à oferta de nove horas
diárias de aula ministradas por bons professores somada à
seleção dos alunos mais empenhados da rede pública. Verdade.
Não há dúvida, porém, de que na receita do sucesso é a obra
de engenharia comunitária. O que poderia ser visto como uma
ação limitada, provinciana, é a essência do que há de mais
contemporâneo para pensar um projeto de blindagem do Brasil,
que, como vimos na semana passada, não pára de levar tiro.
Na semana anterior, aliás, vieram de Brasília tiros de canhão.
Senado e a Câmara, onde a média de rendimentos é de respectivamente
R$ 17 mil e R$ 14 mil mensais, tiraram proveito da crise e
aumentaram os rendimentros de seus funcionários. Custo direto:
R$ 500 milhões. Se a normas se estenderem aos demais poderes,
a conta pode chegar a quase R$ 10 bilhões.
Em meio a uma gigantesca indignação nacional, investiga-se,
no Congresso, a procedência de milhões para caixa dois de
campanhas. Mas, numa só tacada, esse mesmo Congresso prepara
um rombo de bilhões.
Justamente através desse mecanismo de apropriação de recursos
por segmentos mais organizados, temos uma situação estapafúrdia:
nossos gastos sociais ( 25% do PIB) são comparáveis aos das
nações mais ricas. Os resultados, como se sabe, são pífios.
Exemplo: um aposentado comum recebe, em média, 1,8 salário
mínimo. Um aposentado do Legislativo 37 salários mínimos.
Chegamos onde chegamos, pagando tanto imposto, sustentando
tantos privilégios, porque o brasileiro, deseducado e desarticulado,
não tem blindagem. E também porque reverencia muito os poderes
centrais e pouco o que acontece na rua, no bairro ou na cidade.
Na semana passada, mais um fato revelou uma obra de engenharia
comunitária que ajuda a blindar o Brasil: o assalto a pedestres
no viaduto do Chá, espaço-símbolo do centro de São Paulo.
Até pouco tempo, dizia-se que toda aquela região estava condenada
ao abandono, imersa na violência e na pobreza. Estatísticas
divulgadas na quinta-feira mostraram que, no semestre passado,
no viaduto do Chá, em que caminham diariamente 700 mil pessoas,
o crime caiu drasticamente. Do primeiro semestre de 2003 até
o mesmo período deste ano, o número de pedestres vítimas de
roubo caiu 96%.
Como mostram as estatísticas, é muito mais provável alguém
ser assaltado na avenida Higienópolis, um dos lugares mais
elegantes de São Paulo, repleto de segurança privados, do
que no viaduto do Chá, com seus pedintes e crianças de rua.
O formidável desse esforço é que não existe um autor. Surgiu
porque um grupo de pessoas que gostavam do centro resistiu
e mobilizou a comunidade. Depois vieram, em rede, os governos
municipal, estadual e federal. Moradores, empresas, repartições
públicas e universidades voltam para o centro. Universidades
significam jovens nas ruas e vida noturna. Para viabilizar
esse processo, criou-se todo um plano de segurança. Se quiserem
ver como esse tipo de costura funciona, olhem o que ocorreu
no centro antigo de Recife. Lá, em meio à degradação, surgiu
um porto digital, incubando empresas de alta tecnologia.
Essa engenhosidade é o que aprendemos andando, com menos medo,
no viaduto do Chá; no centro de Recife, vendo menos prostitutas
e mais engenheiros de software; em escolas em Sobral, interior
do Ceará, em que todas crianças começam estudar aos seis anos
e se alfabetizam na primeira série; em Santa Rita do Sapucaí
(MG), onde a prefeitura uniu-se à universidade e estimulou
a criação de tantas empresas que hoje sobram empregos; em
Boa Vista (RR), onde, por causa de uma rede de assistência
social, quase se extirpou a guerra de gangues; em Diadema,
onde não existem mais à venda revólveres de brinquedo para
crianças; em São Carlos (SP), onde o índice de reincidência
de delinqüência juvenil é de 2% porque se unificaram, em torno
dos jovens, políticas públicas; e em Praia Grande, na Baixada
Santista, em que se elegem professores para atuar na escola
como lideres comunitários.
Ou numa escola pública do interior de São Paulo, onde jovens,
graças a uma empresa, não entram na estatística de fracasso
educacional, mas nas estatísticas das melhores faculdades.
Se Brasília é, hoje, mais um laboratório de problemas, as
cidades, desde que espaços organizadores dos recursos federal,
estadual e municipal, podem ser nossa melhor solução para
blindar o Brasil.
Sobral
dá show em ensino fundamental
Viaduto
do Chá é mais seguro que Avenida Higienópolis
Colégio
Engenheiro Juarez Wanderley e Instituto Embraer de Educação
e Pesquisa
Descrição
do projeto do Colégio Eng. Juarez de Siqueira Britto
Wanderley
Os
resultados do Vestibular 2005
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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