Uma entidade
comunitária decidiu contratar todos esses policiais
aposentados e treiná-los em zeladoria urbana
Quando lhe perguntavam o que seria quando crescesse, Alexandre
Miragaia respondia rapidamente: "policial militar".
Além de seu pai, vários de seus familiares eram
policiais militares. Ele, entretanto, não conseguiu
ficar nem um ano na corporação. Um tiro disparado
por um bandido deixou-o paraplégico. Nos próximos
dias, ele tenta, mais uma vez, trabalhar com segurança,
desta vez numa inusitada experiência -instalado numa
sala na rua Augusta, vai ajudar a proteger todo um bairro.
Tentaram matar Miragaia porque ele era policial. Vestido à
paisana, voltava para casa e foi vítima de uma tentativa
de roubo. Reagiu e partiu para a briga. Os marginais viram
que, na sacola dele, estava o uniforme. "Acharam que
seria melhor me matar para que eu não fosse testemunha."
Ficou 47 dias na UTI e mais sete meses no hospital, preso
para sempre em uma cadeira de rodas. "Mas nunca perdi
a vontade de trabalhar com segurança."
Estava desempregado quando, neste ano, foi chamado para ser
uma espécie de zelador de todo um bairro, mais precisamente
do refinado Jardim América, trabalhando em conjunto
com um grupo de policiais que ficaram deficientes.
Uma entidade comunitária chamada Ame Jardins decidiu
contratar todos esses policiais aposentados e treiná-los
em zeladoria urbana, o que vai bem além de questões
apenas de segurança. Eles estão conectados a
indivíduos que enviam a uma central informações
sobre os mais diversos problemas do bairro: entulho em alguma
esquina, árvore caída na rua, sinais de incêndio,
além, é claro, de qualquer suspeita de roubo,
furto ou seqüestro.
O papel de Miragaia e de seus colegas é receber a informação
e repassá-la imediatamente aos serviços públicos.
"Nossa principal função é ir além
de dar a informação." A tarefa dele é
acompanhar cada caso. "Só vamos parar de cobrar
quando o problema estiver resolvido." Algum suspeito
entrando numa casa ou parado num semáforo, por exemplo,
e isso será reportado para a polícia.
Caso se tenha conhecimento de um acidente, será chamado
o resgate.
Além da comunicação com indivíduos
que, voluntariamente, se propõem a dar informações
sobre o bairro, os zeladores vão contar com a ajuda
de 14 câmeras instaladas nas ruas e nas viaturas. "Se
forem problemas menores, os funcionários que circulam
nas viaturas vão tomar as providências, sem precisar
necessariamente esperar pelo serviço público",
conta Fábio Saboya, diretor da Ame Jardins, que se
inspirou em um programa chamado "Neighborhood Watches",
implantado com êxito nos Estados Unidos. Para Miragaia,
o convite vem em boa hora por vários motivos, a começar
do fato de que estava desempregado. Para se colocar no mercado
de trabalho, ele vinha, com a ajuda de parentes, estudando
numa faculdade de administração de empresas
e imagina que, nessa nova função, poderá
crescer usando os conhecimentos de gestão. Está
decidido que esse sistema não ficará apenas
naquele bairro e será gradativamente replicado, a partir
do próximo ano, em todas as ruas da região dos
Jardins. "Fiquei numa cadeira de rodas, mas meu sonho
de proteger as pessoas não morreu."
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Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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