Élcio
nem desconfiava de que, ao ensinar aos presos técnicas
de artes plásticas, desenvolvia uma habilidade
Para Élcio Torres, ex-traficante de drogas e ex-publicitário,
o Carandiru foi uma escola. Não uma escola do crime,
como seria previsível, mas uma escola de arte. Nem
desconfiava de que, ao ensinar aos presos diferentes técnicas
de artes plásticas, desenvolvia uma habilidade -o que
o está levando a projetar com jovens da zona leste,
onde nasceu, uma espécie de galeria ao ar livre.
Quando era menino e morava na Penha, Élcio se encantava
com uma pequena oficina em que se fabricavam azulejos, instalada
exatamente em frente à sua casa. Tanto atazanou os
proprietários - e mais ainda o vigia chamado João-,
que o deixaram brincar com as peças, inventando seus
próprios desenhos. Anos depois, cursou o Liceu de Artes
e Ofícios e se dedicou à gravura, bem como à
produção de mosaico. Não demorou a trabalhar
como ilustrador em uma agência de publicidade.
Na época, o consumo de cocaína não lhe
parecia perigoso. "A gente sempre acha que está
no comando da droga." Parecia-lhe uma combinação
perfeita consumir e, ainda por cima, ganhar dinheiro com a
cocaína. No começo, como é comum, vendia
a droga em quantidades bem pequenas, apenas para satisfazer
o consumo. Até que entrou nas rotas da Bolívia,
ampliando o negócio. Sentia-se a salvo de qualquer
risco -a tal ponto que a sua primeira aquisição
com o dinheiro do tráfico foi um automóvel BMW.
"Sem perceber, vamos deixando os rastros mais estúpidos."
Foi flagrado com 20 quilos da droga em 1994, condenado a passar
quatro anos na cadeia.
Para ocupar o tempo, usou seus conhecimentos em artes plásticas
para dar aulas a alguns dos companheiros. "Isso me ajudou
a entender o mundo da juventude da periferia."
Fora da cadeia em 1998, ele evitou o vício -"Fiquei
com nojo físico da cocaína"- e construiu
sua vida profissional. Em seu ateliê, além de
criar gravuras com técnicas especiais em madeira, Élcio
produz azulejos artesanais para banheiros que viraram objeto
de desejo de decoradores e acabaram nas casas da elite paulistana.
Aprendeu a reproduzir os azulejos exatamente como eram no
passado. Agora, com 41 anos, decidiu voltar à zona
leste de sua infância -desta vez, não seduzido
(pela arte do azulejo), mas sedutor. "A periferia é
muito feia, sem cor, por isso resolvi trabalhar lá."
A "escola" do Carandiru ajudou-o não só
a entender como pensa e sente um jovem que vive à margem
da sociedade, mas até mesmo a conhecer o vocabulário,
para muitos quase um dialeto. "O traficante e o bandido
são parte da comunidade deles. Os adolescentes, que
são uma população de risco, têm
curiosidade sobre esse mundo."
Aproximou-se de uma entidade assistencial (Centro Comunitário
Nossa Senhora Aparecida) e doou-lhe um forno para que os jovens
atendidos criassem os azulejos, destinados a embelezar, inicialmente,
escadões sujos e, depois, as fachadas das casas. Élcio
imagina que, talvez, no futuro, os jovens aproveitem a experiência
para ter uma fonte de renda. Por enquanto, vão apenas
conhecer o poder de sedução da arte -e não
da marginalidade.
Veja os painéis
de azulejos:
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Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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