Ao começar
a desenhar em sua galeria nos Jardins, exposto ao público
que passa, Camasmie estava voltando ao passado
Roberto Camasmie tinha um estranho comportamento em sala de
aula. Tão estranho que não conseguia parar em
nenhuma escola. Transitou, sempre com péssimas notas,
por colégios de São Paulo como o Elvira Brandão,
o Santo Américo, o Santa Cruz e o Rio Branco. No final,
a família, resignada, sem esperança de que ele
fizesse uma faculdade, matriculou-o em lugares que não
faziam nenhuma exigência de desempenho.
"Não conseguia prestar atenção às
aulas." Ele entregava as provas com desenhos, a maioria
retratos dos colegas de classe. Alguns professores, mais compreensivos,
até viam ali sinais de talento, mas não se dispunham
a encarar os desenhos como acerto das respostas de matemática
ou de geografia. "Era natural que eu repetisse o ano."
Nem o próprio Camasmie percebeu que, ao começar
a desenhar em sua galeria, nos Jardins (zona oeste da capital
paulista), exposto ao público que passa nas calçadas,
ele estava voltando ao passado.
Desde cedo, Camasmie começou a ganhar dinheiro com
arte -e, assim, o que lhe faltava de admiração
entre os seus professores sobrava entre os seus colegas. Aos
11 anos, já vendia as suas obras dentro da escola.
Ilustrava a capa dos cadernos com o rosto dos amiguinhos mediante
módicas quantias -que, supostamente, eles deveriam
gastar na merenda. Montava, aos poucos, coleções
de cadernos personalizados, transformados em objetos de desejo.
O talento fez com que o mau aluno vivesse da sua arte, produzindo
retratos de uma parte da elite paulistana e até de
celebridades internacionais, como a atriz Sophia Loren. "Depois
percebi que eu nasci para ter essa vida, e aquilo que ensinavam
na escola não me ajudaria em quase nada", conta.
Já instalado em seu ateliê-galeria, nos Jardins,
Camasmie sentiu que a luz o incomodava a ponto de, em sua
visão, acabar afetando a qualidade dos desenhos. Teve,
então, a idéia de fazer uma imensa vitrine de
frente para a rua e acomodou ali seu cavalete. "Não
tenho tempo de conversar com todos. Desse jeito, as pessoas
ficam mais próximas." Transformou-se numa atração
para os transeuntes, muitos dos quais já com opinião
formada, crítica ou elogiosa, sobre as obras. Diante
da movimentação, Camasmie resolveu ajudar sua
platéia.
Instalou, na calçada, um banco, freqüentado, muitas
vezes, por babás em passeios matinais com os bebês,
velhinhas ou, às vezes, algum carroceiro cansado, atrás
de material reciclável. Quem mais gostava da exposição
em movimento eram as crianças. Algumas batiam no vidro
para elogiar ou reclamar do tamanho do nariz e da orelha dos
rostos dos desenhos.
Sem se dar conta, ele estava reproduzindo, de certa forma,
o ambiente infantil em que desenhava, ao lado de muita gente.
Só que, desta vez, sem o risco de ser punido por um
professor enraivecido. Como antigamente, continua ganhando
dinheiro, mas não exatamente o valor de uma merenda.
Veja as obras de Camasmie:
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Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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