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Não
há fórmula matemática, mas a falta de
confiança nas instituições explica uma
boa parte da miséria brasileira
Os compuadores que chegaram à escola municipal Campos
Salles, em Heliópolis, a maior favela da cidade de
São Paulo, deixaram as crianças elétricas
-elas nunca tinham visto uma sala de informática. Foi,
porém, uma euforia fugaz. Todas as máquinas
desapareceram.
O diretor da escola, Braz
Nogueira, apresentou queixa à polícia, mas
sem esperança de recuperar os computadores. No caminho
de volta, desolado, resolveu parar em pontos de encontro da
comunidade.
Como alguns dos interlocutores eram parentes dos alunos, Braz
argumentou: "Não foi a escola que foi roubada.
Foram seus filhos". Contou, então, sobre a tristeza
das crianças que observavam, espantadas, a sala de
informática vazia. Não demorou uma semana para
que os computadores fossem devolvidos.
Faixa preta de caratê, Braz Nogueira dá aulas,
nos fins de semana -em seu descanso, portanto- para adolescentes.
Mudou o currículo para que se incorporassem formas
de lidar com a questão da violência.
Diante do assassinato de uma de suas alunas, promoveu uma
marcha pela paz que, a cada ano, fica maior.
Percebeu que, se ficasse sozinho, não iria suportar
tantas adversidades e aliou-se à principal entidade
local: Unas. Essa aliança trouxe, na semana, muito
mais do que um punhado de computadores.
Na frente da Campos Salles, há, separada por uma rua,
uma praça -ao lado dela, outra escola apenas para alunos
de até seis anos de idade. Braz queria colocar alguns
poucos brinquedos na praça, achava um desperdício
aquele espaço vazio.
O pedido chegou às autoridades, e os brinquedos quase
sumiram. Desta vez, não por assaltos. Por causa da
mobilização comunitária (e do manancial
de votos em potencial, é claro), a prefeitura e o governo
estadual decidiram não apenas incorporar as duas escolas
à praça, evitando a circulação
de carros, mas também construir uma creche, uma escola
técnica e um centro cultural.
Na quarta passada, começaram as obras do que se decidiu
chamar de "bairro
educador", uma integração de todos
esses espaços que, apesar de dispersos, oferecerão
programações complementares, da pré-escola
ao ensino médio profissionalizante.
A volta súbita dos computadores e a construção
do bairro educador explicam-se com duas palavras quase mágicas:
capital social. Pensando no que representam essas duas palavras,
pode-se estimar o custo de um Renan Calheiros absolvido pelo
Senado.
Ainda um conceito pouco conhecido fora dos meios acadêmicos,
capital social é a riqueza que nasce do relacionamento
entre os indivíduos dispostos a aceitar desafios conjuntos.
Um ingrediente indispensável para o surgimento desse
capital é a confiança: o outro não é
um adversário, mas um aliado.
Daí se entende como o AfroReggae entra nos lugares
mais violentos do Rio usando a sedução da arte.
Há muitos estudos mostrando a relação
entre desenvolvimento econômico e capital social, especialmente
quando vinculados a investimento em qualificação
educacional, ou seja, na produção de capital
humano.
O custo da desonestidade, do qual Renan é, neste momento,
o maior símbolo, arrastando ainda mais para baixo a
imagem dos políticos, é muito mais moral do
que financeiro.
A infindável crônica de bandalheiras dissemina
uma sensação generalizada de que a ação
pública é corrupta. Cada um tenta ser o mais
esperto e defender seu interesse. Isso se traduz também
no preço que pagamos pelos abusos corporativos -as
aposentadorias do setor público ou o inchaço
do funcionalismo, só para citar dois
exemplos, ultrapassam dezenas de bilhões de reais.
Não há fórmula matemática para
calcular o custo da desconfiança, mas, certamente,
a falta de confiança nas instituições
explica uma boa parte da miséria brasileira.
PS - Devido a uma profunda crise, uma escola pública
em São Paulo, Carlos
Maximiliano Pereira dos Santos, estava com data marcada
para ser fechada. Alunos, ex-alunos, pais e professores buscaram
alianças para evitar o fechamento.
Conseguiram apoio para a realização das mais
diferentes oficinas -de português à dança,
passando pela matemática, artes e comunicação.
Pintaram a escola e transformaram um depósito abandonado
num centro cultural, aberto à comunidade, para, além
de levantar recursos, propiciar a interação
de estudantes com artistas profissionais.
Com essa mobilização, o governo estadual decidiu
implantar ali cursos profissionalizantes, preferencialmente
voltados para a área cultural, em que há falta
de mão-de-obra qualificada. O projeto ainda está
engatinhando, mas já despertou o interesse da Unesco,
cujos dirigentes decidiram, na sexta-feira passada, sistematizá-lo
para seja apresentado como referência, de baixo custo,
associando cultura e educação.
Coluna
originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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