Não
é por outro motivo que cidade de renda per capita alta
convive com patamares africanos de miséria
Está em preparação, para ser lançado
em 2008, o primeiro curso público destinado a formar
técnicos em gestão de espetáculos. O
currículo vem sendo montado com as dicas de produtores
de shows, de concertos, de peças de teatro e de programas
de televisão.
O Centro Paula Souza, responsável pelo ensino profissionalizante
do governo de São Paulo, está acertando uma
parceria com a TV Cultura para a criação do
curso, a ser ministrado no Parque da Juventude, no Carandiru,
onde antes funcionava a Casa de Detenção. Há
um plano para concentrar ali cursos focados nas mais diversas
áreas da cultura (montagem de exposições,
restauração de quadros, cenografia, iluminação
e figurino, por exemplo).
Pela sondagem das empresas, sabe-se que a chance de um técnico
em espetáculo obter um emprego supera os 80%. Essa
alta porcentagem mostra um apagão de trabalhadores,
verificada na crescente falta de mão-de-obra qualificada.
Em alguns casos, a taxa de empregabilidade excede os 80%.
Tome-se o caso do álcool. Com a explosão desse
mercado, muitas usinas se vêem obrigadas a recorrer
até mesmo aos aposentados. Em parceria com o Conselho
Regional de Química e entidades governamentais, empresários
lançaram, neste ano, um curso técnico de nível
médio para a produção sucroalcooleira.
As aulas práticas são ministradas nas próprias
usinas. Resultado: as vagas estão apenas esperando
os formandos. O apagão de trabalhadores qualificados
é generalizado.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria)
acaba de lançar o mais completo levantamento sobre
capacitação profissional no país, baseado
em entrevistas com empresários: 56% deles revelaram
sofrer com a falta de mão-de-obra qualificada.
As maiores reclamações ocorrem, segundo o estudo,
nas atividades de álcool (76%), vestuário (75%),
indústrias extrativas (71%), máquinas e equipamentos
(70%) e veículos automotores (67%).
A Companhia Vale do Rio Doce tenta há anos sensibilizar
prefeitos, governadores, reitores e secretários da
Educação para criar programas que gerem profissionais
dos mais diferentes níveis, dos básicos até
pós-doutorados, aptos a trabalhar na empresa. Como
não consegue arregimentar trabalhadores nas áreas
em que tem negócios, a empresa chama gente de outras
cidades e não estimula o desenvolvimento local.
Esse é exatamente o mesmo drama da Petrobras, que vê
limitações em expandir seus negócios
e, a toque de caixa, vem oferecendo diversos cursos para dar
conta das novas descobertas de gás e petróleo.
Não é por outro motivo que cidades com índices
altíssimos de renda per capita convivem com patamares
africanos de miséria.
Por desinformação, a maioria dos jovens ainda
acredita que o melhor caminho para o emprego são as
faculdades tradicionais e, iludida, acaba em arapucas. Basta
ver as notas desses cursos -ou ainda a reprovação
dos alunos de direito no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
Buscar vagas em cursos técnicos ou tecnológicos
nem sequer faz parte dos movimentos de inclusão social,
mais empenhados em conquistar cotas nas universidades públicas.
Para completar a insanidade, muitos desses cursos são
apoiados com bolsas públicas do Prouni.
A boa notícia é o aumento de consciência
das autoridades diante do apagão dos trabalhadores.
Começam a ser esboçadas interessantes soluções,
além da ampliação de escolas exclusivamente
técnicas. Empresas estão ajudando a vitaminar
o currículo tradicional do ensino médio público,
agregando a ele a oferta de programas profissionalizantes.
É o que ocorre, por exemplo, numa escola estadual em
Recife, próxima ao porto digital, onde uma empresa
de telefonia implantou a Fábrica de Jogos. O objetivo
é formar técnicos especializados em videogames
que funcionam em celulares para que criem jogos educativos
a serem usados nas escolas.
Em projetos pilotos bancados pelo governo federal, nota-se
que fazer com que a escola tradicional se volte para o mercado
de trabalho -não necessariamente o ensino médio,
mas sobretudo a educação de jovens e adultos-,
é um poderoso estímulo ao aprendizado.
O governo de São Paulo quer tirar proveito do fato
de que muitas de suas escolas têm espaço ocioso
à tarde ou à noite e oferecer cursos técnicos
semipresenciais, apelando para os recursos da educação
à distância.
De quebra, seria estabelecido, nessas escolas, ensino em tempo
integral, com a vantagem de que o jovem teria uma chance maior
de emprego.
Há uma lista de motivos para se revoltar com a situação
social. Certamente no topo da lista está a coexistência
de desemprego de jovens, miséria e alta concentração
de renda com o apagão de trabalhadores.
É algo que se compara em estupidez com alguém
que não mata a sede apesar de estar em frente a uma
fonte de água potável.
PS - Além de um painel geral sobre o ensino técnico
no Brasil, fiz um detalhamento
da experiência da Fábrica de Jogos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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