A bota,
os remendos na calça e o corte de cabelo moicano informam
que ele é o que parece: um punk
Gregório Paoli, 25, não gosta de briga, não
come carne, não fuma e não usa drogas. Trabalha
para pagar o curso de pedagogia na PUC (Pontifícia
Universidade Católica). Seu projeto de vida é
educar crianças, especialmente as que têm necessidades
especiais.
Nos últimos tempos, ele vem se entusiasmando com a
possibilidade de ensinar adultos com dificuldade de aprendizado.
Apesar de todas essas atitudes, Gregori, por sua aparência,
pode ser temido nas ruas.
Talvez até mudem de calçada, temendo que ele
cometa alguma agressão. "É uma injustiça",
lamenta Gregório.
A bota, os remendos na calça e o corte de cabelo moicano
informam que ele é exatamente o que parece: um punk.
Pertence a uma tribo cuja imagem tem sido, nos últimos
tempos, associada à violência.
Aos 15 anos, Gregório conheceu a cultura punk e se
identificou com ela. "Tudo começou pela música."
Aos poucos, segundo ele, descobriu que, além da diversão,
havia no movimento uma preocupação com a igualdade
social e a preservação ecológica. Aderiu
à tribo dos chamados punks "straight edge",
o que o levou a se tornar vegetariano e a ficar longe do álcool,
do fumo e das drogas. Gostava, em particular, do combate ao
consumismo, uma das bandeiras dos punks.
Os episódios de violência que envolvem punks
não lhe tiraram o prazer da cultura, mas passou a se
sentir incomodado ao ser identificado com a violência.
"Até deixei de andar por alguns lugares para ficar
longe de bagunça."
Na sua visão, o que ocorre não é generalizado.
"Alguns indivíduos viram na cultura punk um jeito
de manifestar a sua violência." Tais grupos ganharam
destaque dos meios de comunicação e passaram
a disseminar uma imagem que permeia toda a tribo.
Ele vai ter de aprender a desconstruir essa imagem se quiser
mesmo ser professor. Morador da periferia paulistana, Gregório
era um aluno relapso, desses que dão trabalho aos professores.
Mas, terminada a adolescência e estimulado pela forma
como encarava a cultura punk, considerou que seria interessante
estudar pedagogia.
"As letras das músicas falavam de transformar
o mundo pela palavra. Essa é a tarefa do professor."
Com o seu olhar marginal, gostou da idéia de trabalhar
com crianças portadoras de deficiência e, na
faculdade, percebeu que também levaria jeito com adultos
que não tiveram a chance de estudar. Resolveu ajudar
a alfabetizar garis que trabalham em São Paulo, para
os quais a rua é um espaço de marginalidade.
Um morador da periferia, funcionário de uma agência
dos Correios, paga a própria faculdade -isso, sim,
"é punk". Está com as mensalidades
atrasadas e ainda não descobriu como vai pagá-las.
"Fico rezando por uma bolsa."
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|