Cada
um dos autores paga o valor de R$ 360 para fazer parte do
livro e, em troca, ganha uma cota para vender
Na maioria das vezes, um TCC (trabalho de conclusão
de curso) é apenas uma formalidade acadêmica.
José Eduardo Gutter transformou o seu num projeto de
vida: decidiu criar uma editora para os que não têm
não acesso a editoras.
Filho de migrantes do Paraná -o pai sobrevivia como
mecânico e, agora, aos 73 anos, é taxista-, José
Eduardo estudou em escola pública, fez curso técnico
em edificação e conseguiu entrar na USP, onde
se interessou por editoração.
Para realizar seu TCC, saiu à procura de poetas anônimos
e inéditos.
Distribuiu panfletos em saraus e colocou pequenos anúncios
nos murais de bibliotecas públicas. Daí nasceu
a coletânea intitulada "Palavra de Poeta",
trabalho em que deveria demonstrar o que tinha aprendido sobre
técnicas de editoração. "Percebi
que muitos originais interessantes ficam para sempre esquecidos
numa gaveta", considera.
Depois de se formar na USP, ele, além de cuidar de
montar seu próprio negócio, resolveu voluntariamente
ajudar os "sem-editora" na publicação
de seus contos e poesias.
Neste ano, ele lançou "Cantos da Cidade",
uma coletânea de 34 poetas e contistas. Juntaram-se,
entre outros, um padre, um pastor, um advogado aposentado,
um ex-morador de rua, um administrador de empresas e uma deficiente
física que vive presa a uma cadeira de rodas. "Esse
mix de gente é que vai fazer a obra chegar aos diferentes
cantos e públicos da cidade."
Cada um dos autores paga o valor de R$ 360 para fazer parte
do livro e, em troca, ganha uma cota para vender. Vendem-se
também os livros em diferentes eventos, num marketing
boca a boca. Não há recursos para distribuição
em livrarias. "Meu sonho é ter um espaço
na Bienal."
A coletânea "Cantos da Cidade" já teve
esgotada a sua primeira edição.
"Um dos autores já vendeu cem exemplares",
orgulha-se.
Nessa rede
de escritores inéditos, José Eduardo Gutter
vem se deparando com personagens cujas vidas dariam romances.
É o caso de um morador de rua que escrevia poesias
-e, graças à sua paixão pela escrita,
fez um concurso e hoje é funcionário público-
ou de um operador de telemarketing que, para sobreviver psicologicamente
ao trabalho repetitivo e massacrante, escreve contos nos segundos
entre as ligações telefônicas. Para não
perder o emprego, o funcionário usa um pseudônimo.
Inspirado na descoberta de personagens anônimos e com
muitas coisas para contar, José Eduardo teve a idéia
de criar uma coleção de curtas autobiografias
populares, projeto que dará às pessoas a oportunidade
de compartilhar as suas experiências mais marcantes.
O nome desse projeto: "Livro da Vida".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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