Não
gosto de rap, meu ouvido foi educado para outros ritmos. Gosto
ainda menos daquela indumentária e dos trejeitos dos
seus cantores, copiados dos americanos, numa servilidade colonizada
- algo que se vê, na mesma medida, com nossa elite,
curvada para o que vem de fora. Não consigo ver neles
nada parecido com o encanto e, muitas vezes, a profundidade
de nossos repentistas nordestinos.
Mas, por outros motivos, aprendi a respeitar o rap e, por
isso, considero injustas críticas lançadas contra
o Mano Brown, acusando-o de ter incitado a violência
na Virada Cultural. Tais críticas refletem uma visão
preconceituosa não contra um estilo musical mas contra
a periferia.
A violência das letras de muitos rappers refletem o
ambiente em que vivem, marcado pelo desrespeito e, por isso,
estabelecem uma vinculação tão forte
com jovens da periferia.
Testemunhei como muitos rappers, como Mano Brown e Rappin
Hood, se preocupam em difundir uma cultura de paz; Mano Brown,
junto com o escritor Ferrez, criou uma biblioteca onde era
antes um ponto de drogas. Não são fatos isolados.
Fazem parte da própria cultura do hip hop, na qual
se vê a arte como forma de integração.
Cria-se assim um elo com quem não tem elo.
O que aconteceu na Virada Cultura é culpa de um grupo
de marginais que estavam esperando qualquer pretexto para
extravasarem sua marginalidade - e, em certa medida, do poder
público que programou o show para aquele horário
e naquele lugar, sem saber que, em muitos desses espetáculos,
existem conflitos, mas que poucos tomam conhecimento justamente
porque acontecem na periferia, bem longe de nossos olhos.
PS - Defendo, porém, que não se chame mais
os Racionais para tocar em eventos públicos se não
assumirem o compromisso de respeitar a platéia. Até
onde sei, foram os únicos a se atrasarem. Que façam
isso com dinheiro privado, é problema deles. Com dinheiro
público, é nosso.
Coluna originalmente publicada na Folha Online,
editoria Pensata.
|