Incrédulos,
os alunos sugeriram que o professor, tão confiante,
entrasse na Universidade de São Paulo
Álvaro diz ter aprendido uma lição:
o aluno respeita mais o professor que está sempre disposto
a aprender
O professor de história Álvaro César
Giansanti foi desafiado por seus alunos a prestar o vestibular
para demonstrar seus conhecimentos. Constrangido, aceitou
e virou calouro. Desde o início deste ano, está
cursando a Faculdade de Direito do largo São Francisco.
"Nunca pensei em ser advogado." Nem muito menos
ser calouro aos 50 anos de idade, com filho já pós-graduado
pela Fundação Getúlio Vargas.
Quando dava aula numa sala da 3ª série da escola
de ensino médio da Fecap (Fundação Escola
de Comércio Álvares Penteado), Álvaro
notou como os alunos estavam angustiados e desestimulados
com a possibilidade de entrarem numa universidade pública.
Tentou convencê-los de que o vestibular não era
tão difícil como parecia. Incrédulos,
eles sugeriram que o professor, tão confiante, entrasse
na USP. Naquele instante, diante da classe atenta, ele supôs
que, ao aceitar, estimularia os estudantes. Criou-se um clima
de suspense. Todos esperaram silenciosamente a resposta e,
enfim, comemoraram a notícia; alguns deles visivelmente
satisfeitos com a encalacrada em que o professor tinha se
metido.
Feito o compromisso, ele voltou para casa temendo ter colocado
seu prestígio em jogo: "E seu eu levar pau?".
Suspeitava que iria fracassar - e o pior é que, além
de professor de português, Álvaro é diretor
da escola.
Aluno de escola pública, Álvaro cursou engenharia,
mas não gostou. "Foi uma experiência horrível."
Prestou vestibular para história e, depois, fez mestrado
em pedagogia. Trabalhou em colégios como Santa Cruz
e São Domingos, sempre como professor de história.
Já tinha esquecido quase tudo de matérias como
química, física, biologia e matemática,
inevitáveis na primeira fase da Fuvest. "Por causa
dessas matérias, desconfiava que não fosse passar."
Teria, portanto, uma boa desculpa.
Deixara a engenharia justamente por sua incompatibilidade
com as exatas.
Sem maiores pretensões, colocou o direito como opção
ao se inscrever no vestibular. Para sua surpresa, deu certo.
Mas tinha à sua frente um outro problema: ir ou não
à faculdade. Seu tempo estava ocupado durante o dia
e só disporia das noites. "Não perderia
nada se experimentasse voltar a ser aluno."
Não se sentiu tão deslocado, como imaginava,
sentado ao lado de garotos mais novos do que seu filho. "Minha
classe tem um pequeno grupo de cinqüentões."
Nas primeiras semanas, percebeu que está ali uma chance
de reciclagem, aprofundando-se no estudo de direitos humanos
e cidadania. É uma área, diz ele, de crescente
interesse e com poucos professores formados nessa matéria
a partir da ótica do direito.
O impacto na sua escola foi imediato: mais professores resolveram
fazer vestibular neste ano para estimular os alunos, impondo-se
o desafio de estudar. Álvaro diz ter aprendido, neste
desafio, uma lição: o aluno respeita mais o
professor sempre disposto a aprender. "Especialmente
quando aprendemos com eles."
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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