58% dos
entrevistados exibiram tendência, em diferentes graus,
de se meterem em encrencas
Uma pesquisa realizada na pós-graduação
de psicologia da PUC de São Paulo sustenta que podemos
avaliar matematicamente o risco de um jovem abusar cronicamente
das drogas e do álcool, de fazer sexo desprotegido
e de desenvolver comportamentos violentos -assim como se conseguiria
calcular a propensão para que ele se dedique aos estudos
e cuide de sua saúde.
Realizado pela professora Rosa Maria Macedo, especializada
em terapia familiar, o estudo é baseado em centenas
de milhares de entrevistas feitas com jovens pelo Search Institute,
dos Estados Unidos. Ela adaptou os questionários à
realidade brasileira e investigou o comportamento de 2.725
crianças e adolescentes de escolas públicas
e privadas da cidade de São Paulo.
O resultado é de tirar o sono até mesmo das
pessoas mais serenas: 58% dos entrevistados exibiram tendência,
em diferentes graus, de se meterem em encrencas abusando das
drogas, transando sem camisinha ou provocando brigas.
O Search Institute estabeleceu uma relação
entre 40 diferentes fatores e comportamentos dos jovens. São
considerados, entre outras coisas, auto-estima, ambiente escolar,
atividades religiosas, envolvimento em serviços comunitários,
prazer em ler, visão positiva do futuro, participação
dos pais nas escolas. Cada fator representa um ponto.
Na contagem daquele centro de pesquisa dos Estados Unidos,
mais da metade (53%) dos jovens com no máximo dez desses
fatores tendem a abusar das drogas; 42% do álcool;
61% promovem violência. Entre 10 e 20, o risco diminui,
mas nem tanto: 30% álcool, 19% drogas e 35% violência.
À medida que a pontuação aumenta, cresce
a segurança: apenas 3% dos jovens com 30 a 40 pontos
abusam das drogas. Nesse grupo, 53% costumam ir bem na escola
e 88% cuidam da saúde. A professora Rosa Maria Macedo
detectou que, na cidade de São Paulo, 5% dos jovens
vivem em altíssimo risco, pois só conseguem
alcançar dez pontos. Na faixa de 10 a 20, são
mais 53% da amostra. Para estimar o que isso significa, basta
lembrar que temos, no Brasil, 35 milhões de pessoas
entre 15 e 24 anos, a maioria das quais vivendo em grandes
cidades e regiões metropolitanas.
Esse levantamento da professora Rosa ajuda a aprofundar o
olhar diante do plano de educação lançado,
na semana passada, pelo presidente Lula. Ela detectou que,
mesmo em áreas pobres ou conflagradas pela violência,
diminui o risco das crianças e adolescentes que, além
de valorizarem os estudos, sentem os pais envolvidos em seu
aprendizado e recebem complementação extracurricular
em atividades esportivas ou culturais. Isso se traduz em aumento
da jornada, não necessariamente oferecida pela escola
mas também pela comunidade. Nesse grupo, a pontuação
de altíssimo risco (até dez) desaparece e a
de médio risco (10 a 20) cai pela metade.
O plano depende em larga medida dos governos estaduais e
municipais. Mas tem avanços notáveis ao pregar
a articulação de diferentes ministérios;
se vão sair do papel, vamos ver. O maior avanço
é o sistema de avaliação como condicionante
à ajuda aos municípios. Mas não se iludam
-esse é um trabalho de gerações.
Dificilmente (talvez devesse dizer impossível) a educação
dos mais pobres vai dar saltos de qualidade sem aumento expressivo
da jornada escolar, acompanhando a melhor formação
dos professores, o currículo mais próximo do
cotidiano e a atração dos pais e da comunidade.
É o caminho mais difícil, demorado e caro, mas
o único sério -o resto é pajelança
pedagógica ou marketing político.
O ensino em tempo integral, a articulação de
políticas públicas (a começar por saúde
e assistência social) em torno da educação
e a transformação das cidades, com seus museus,
teatros, parques, universidades, centros de pesquisa, clubes,
empresas, salas de concertos, em espaços complementares
às escolas serão, em breve, bandeiras óbvias.
Tão óbvias como os riscos de não usar
camisinha ou de dirigir bêbado.
PS - Mais detalhes sobre a pesquisa de Rosa Maria Macedo:
Pesquisa
identifica valores de jovens
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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