|
Uma criança
em ambiente desestruturado, sem atenção familiar,
está mais próxima da marginalidade
Sonhar é um eficiente método contraceptivo
para jovens -é o que está demonstrando uma experiência
realizada com 10.896 alunos de 24 escolas em 14 cidades paulistas.
Desde 2004, esses alunos passaram por oficinas de prevenção
da gravidez precoce, nas quais são convidados, por
meio de jogos, a projetar seu futuro profissional. A partir
daí, eles devem imaginar como seria esse projeto caso
tivessem um filho precocemente. Numa das simulações,
as adolescentes colocam um balão debaixo da camisa
para que se produza a sensação de gravidez,
enquanto, de olhos fechados, entregam-se aos pensamentos.
Em outras oficinas, são dadas aulas sobre o funcionamento
do corpo humano e dos métodos anticoncepcionais, além
de dicas sobre como adquiri-los na rede pública de
saúde.
Neste início de ano, o Instituto Kaplan, responsável
pelo projeto, batizado de Vale Sonhar -todas as escolas estão
no Vale do Ribeira-, conseguiu medir os resultados da experiência.
Verificou-se uma redução de 91% da incidência
de gravidez entre aquelas estudantes.
"O que fizemos foi fazê-las perceber o que perderiam
se fossem mães fora do tempo", conta a sexóloga
Maria Helena Vilela, diretora do Instituto Kaplan, formada
em saúde pública pela USP e especializada em
psicodrama.
A questão da gravidez foi ressaltada, na semana passada,
quando se comemorou o Dia Internacional da Mulher, porque
o presidente Lula atacou o conservadorismo da Igreja Católica
e a "hipocrisia" das famílias ao defender
mais distribuição de métodos contraceptivos.
O governador José Serra disse que iria dar mais dinheiro
para aumentar o número de mulheres com acesso a pílulas
anticoncepcionais, camisinhas e até a cirurgias de
esterilização.
Ninguém provocou tanta polêmica como o governador
do Rio, Sérgio Cabral Filho, que defendeu o aborto
e o apontou como um dos recursos para reduzir a criminalidade.
Ele se baseou em pesquisas mostrando que, em cidades americanas
mais permissivas ao aborto, o crime teria caído com
mais intensidade.
Estamos falando, no Brasil, de estimadas 900 mil mulheres
que, a cada ano, se tornam mães precocemente, muitas
das quais deixam a escola e se vêem com dificuldade
de obter um bom emprego. Há relatórios bem detalhados
mostrando uma vinculação direta entre evasão
escolar e gravidez precoce.
Provavelmente, essa questão está mesmo relacionada
à criminalidade. Uma criança nesse ambiente
desestruturado, sem atenção familiar, está
mais próxima da marginalidade. Até porque mora
em áreas com baixa presença do poder público,
escasso policiamento, e nas quais não raro se valoriza
ou se teme o crime organizado.
Sair distribuindo camisinhas e pílulas anticoncepcionais
ou facilitando o aborto se combate apenas o efeito e faz parte
daquele rol de soluções fáceis para assuntos
complexos. É o que mostra a experiência do Instituto
Kaplan.
Uma das maiores especialistas brasileiras em prevenção
de gravidez, Albertina Duarte coletou centenas de relatos
de adolescentes que, apesar de informadas e dispondo de métodos
contraceptivos, não usavam camisinha. Ajudou a criar,
então, centros de saúde para adolescentes em
que se trabalha a auto-estima -às vezes até
aprendendo a escrever poesias- e se montavam projetos de vida,
desenvolvendo um olhar para o futuro. A exemplo do que testemunhou
Maria Helena Vilela, logo apareceriam resultados positivos.
Um dado relevante é que tanto os freqüentadores
daqueles centros de saúde para adolescentes como os
das oficinas ministradas por professores capacitados pelo
Instituto Kaplan estavam na escola, muitos deles no ensino
médio. "Alguém que chegou a esse nível
de escolaridade está mais aberto a projetar um futuro
e desenvolver um sonho profissional", acredita Maria
Helena.
De acordo com o IBGE, as mulheres mais pobres e menos educadas
têm, em média, cinco filhos; entre as mais ricas
e de maior escolaridade, a taxa é inferior a dois filhos
por mãe.
O poder público não deve deixar de facilitar
o acesso a preservativos e a pílulas. Tampouco deixar
de oferecer a interrupção da gravidez, uma forma
dolorida, indesejável, que consiste num último
recurso. O que se está vendo é que, assim como
países, os indivíduos precisam acreditar em
sonhos para prosperar -o resto é tão paliativo
como imaginar que exterminando futuros pobres, potencialmente
futuros criminosos, estaremos numa sociedade mais segura.
PS - É incrível que, na Semana Internacional
da Mulher, não tenha ocorrido nenhuma defesa de que,
sem a ampliação da rede de creches, especialmente
entre os mais pobres, teremos ainda mais dificuldade de interromper,
no nascedouro, o ciclo vicioso da pobreza.
Incrível porque há toneladas de estudos, alguns
feitos por economistas, mostrando que, quanto mais cedo se
educa uma criança, menor se torna sua propensão
à marginalidade e à criminalidade.
Coragem, aborto
e legalização das drogas
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|