A rede
de ensino da cidade de São Paulo está quase
em último lugar em qualidade de ensino em relação
às demais
Depois do mestrado em gestão pública na Fundação
Getúlio Vargas, o administrador de empresas Alexandre
Schneider planejava coroar sua vida acadêmica com um
doutorado. Ao rabiscar ontem à tarde, numa folha solta,
um amontoado de números, ele dizia, em tom meio de
brincadeira e meio sério, que estava prestes a abandonar
seu projeto. "Não sei se vou aprender mais numa
sala de aula do que estou aprendendo na realidade sobre os
labirintos da administração pública."
No papel, estava escrito "629 mil faltas". "É
inacreditável", disse.
Com o diploma da graduação, ele conseguiu atingir
o sonho da maioria de seus colegas: um emprego numa grande
empresa. Trabalhava num banco de investimentos em parceria
com empresas alemãs, onde quase tudo funcionava com
extremo rigor e pontualidade. Até que, por causa de
seu interesse em gestão pública, envolveu-se
com projetos de melhoria de eficiência de governos e
tornou-se, no ano passado, secretário de Educação
do município de São Paulo. "Começou
aí minha grande aula, superior a qualquer doutorado
em administração pública."
Entre as lições estão as contas que
ele fazia ontem sobre o número de faltas dos professores;
em 2005 e 2006, foram, respectivamente, 629 mil e cerca de
500 mil (os números ainda estão em fase de contagem
final). Para cada ausência, some-se no mínimo
três aulas. Isso causa transtornos imensos numa rede
com 1.200 escolas, 1 milhão de alunos e 50 mil professores.
No seu aprendizado, ele viu que o professor tem direito a
deixar de ir à escola dez vezes por ano sem dar nenhuma
explicação, além das faltas "justificáveis"
e das licenças médicas. Anualmente, 3.000 professores
e diretores mudam de escola. A maioria das escolas tem três
turnos diurnos e não se tem claro o que ensinar em
cada ano. A rede de ensino da cidade de São Paulo está
quase em último lugar em qualidade de ensino em relação
às demais; está abaixo, por exemplo, da maioria
das capitais nordestinas.
Um detalhe é que, apesar dessa pontuação,
os professores têm direito a uma "gratificação
de desempenho", cujo único critério é
o da assiduidade. Nesse doutorado na prática, Schneider
ficou sabendo que, no final do ano passado, todos os professores
foram premiados com a gratificação por desempenho
- mesmo aqueles que ajudaram a compor as 500 mil faltas, o
que significa a ausência em 1,5 milhão de aulas.
"Duvido que qualquer curso teórico me explicasse
como chegamos a tal situação."
PS- Ele está redigindo decreto para que só os
professores assíduos ganhem a gratificação
por assiduidade. A previsível reação
a essa medida será mais uma aula - ainda mais se sua
intenção não conseguir sair do papel.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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