A repercussão
da morte do menino João Hélio faz parte de um
movimento para reduzir os riscos de marginalidade
Está previsto para o próximo mês o lançamento,
em São Paulo, de um inédito curso profissionalizante:
chapeiro.
Considerando o arraigado hábito cultural dos paulistanos
não só de comer mas de se reunir em padarias,
quem receber esse diploma terá uma boa chance de ganhar
um emprego. Além de chapeiro, os alunos vão
desenvolver habilidades de padeiro, confeiteiro e pizzaiolo.
As aulas práticas serão dadas nas padarias e
confeitarias; nas teóricas, professores vão
mostrar as precauções com higiene e conservação
dos alimentos.
A novidade é que os cursos levarão em conta
o critério geográfico, privilegiando regiões
que concentrem maior demanda para essas profissões,
além de priorizar, na matrícula, jovens de baixa
renda que estudem ou vivam por lá.
Desenvolvida pelo Centro Paula Souza, responsável pelos
cursos técnicos públicos do Estado de São
Paulo, essa receita de emprego juvenil é mais complexa.
O que se pretende é oferecer programas profissionalizantes
a partir da vocação de cada bairro, num teste
de empregabilidade para as áreas metropolitanas.
A gigantesca repercussão da morte do menino João
Hélio, no Rio de Janeiro, faz parte de um movimento
sem volta de busca de soluções para reduzir
os riscos de marginalidade. E vai nos obrigar cada vez mais
a prestar a atenção até em experiências
microscópicas como a da formação de chapeiros.
De olho neste movimento inevitável, o presidente Lula,
envolvendo os mais diversos ministérios, prepara uma
série de medidas cujo foco será o jovem na região
metropolitana. É algo inusitado no país.
Entre outras propostas estão em análise a ampliação
para 17 anos de idade dos filhos para que os pais recebam
o Bolsa Família, estímulos a programas profissionalizantes
respeitando as vocações locais e recursos para
as cidades oferecerem espaços educativos complementares
à escola. Discute-se também dar um prêmio
em dinheiro aos bons alunos beneficiários do Bolsa
Família.
Assessores da Presidência da República, dos ministérios
do Trabalho, Esporte, Educação, Saúde,
Cultura e Desenvolvimento Social estudam como fazer uma oferta
conjunta de seus programas focados nos jovens, estabelecendo
um cardápio variado de ações. Essa rede
se estenderia e se mesclaria a projetos estaduais e municipais
nas periferias.
Seria essa uma das respostas de Lula contra a violência
- e, ao mesmo tempo, um esforço para que, nesse segundo
mandato, ele se destaque no campo educacional.
O molde desse programa faz todo sentido - é o que,
há muitos anos, recomendam os especialistas em juventude
e em políticas sociais. Mas, a julgar por experiências
anteriores, como o Primeiro Emprego, a dificuldade dos governos
de trabalhar em rede, o vai-e-vem nos ministérios (só
na Educação já passaram três ministros,
o que dá uma média de quase um por ano), é
inevitável a desconfiança.
Já vimos, neste mês, a partir de dados oficiais,
como os jovens saem despreparados das escolas; isso quando
não engrossam as estatísticas da evasão
.O atendimento de creches é mínimo. A taxa de
natalidade entre adolescentes é altíssima nas
periferias e favelas- é, em média, de uma mãe
para quatro filhos. Falta policiamento comunitário-
isso quando policiais não integram a rede da bandidagem.
O desemprego juvenil passa, nas periferias, de 70%.
Já sabemos também como os sistemas de internação
juvenil são ineficientes, prestando-se mais como uma
espécie de programa de aperfeiçoamento da marginalidade.
No debate que se alastra pelo país, a ênfase
reside, compreensivelmente, na punição - redução
da maioridade penal ou no tempo de reclusão. Até
concordo que, em alguns casos, a pena para os adolescentes
criminosos deveria passar dos três anos.
Mas a sociedade imaginar-se segura com mudanças legais
não passará de uma ilusão se o país
não desenvolver soluções preventivas-
o que se pode encontrar até numa chapa de padaria.
PS - Recomendo que se conheça a experiência
de São Carlos, no interior de São Paulo. Lá
se criou uma espécie de Poupatempo. Num único
espaço, estão reunidas todas as entidades pública
que podem ajudar a ressocializar um jovem infrator. A reincidência
é mínima. Recomendo também que se veja
como, na Colômbia, transformaram, com sucesso, jovens
de gangues em agentes comunitários e zeladores urbanos.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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