Boa parte
dos políticos discute violência como se estivesse
discutindo futebol, de olho nos aplausos fáceis
Para se aproximar dos jovens da periferia paulistana, distantes
e desconfiados da polícia, o cabo Adolfo Lora imaginou
que latas de spray serviriam como eficientes armas. Propôs
um festival de grafite, usando como tema o aquecimento global.
" A adesão foi imediata", conta.
Prevista para ocorrer neste final de semana, a intervenção
de arte é uma ínfima pincelada neste imenso
painel de experiências contra a barbárie em que
se transformou o Jardim Ângela, considerado, no passado,
a região mais violenta do mundo. O cabo Adolfo faz
parte do policiamento comunitário da região.
Se estivermos mesmo preocupados em enfrentar a barbárie,
deveríamos levar muito mais a sério o significado
dessas pinceladas promovidas por um policial, quase clandestinas,
do que os debates, repletos de holofotes, de boa parte da
classe política.
Dá para mostrar, em números, como a opinião
pública vem sendo iludida e desinformada no debate
sobre a violência.
A morte de João Hélio trouxe a sensação,
para muitos, provavelmente a maioria, de que reduzindo a maioridade
penal ou aumentando as penas a população estaria
mais segura. Será?
De acordo com as estatísticas oficiais, oscila entre
1% e 3%, no Estado de São Paulo, o número de
assassinatos cometidos por menores de 18 anos, parte deles
motivados por guerra de quadrilhas e tráfico de drogas;
essas porcentagens não diferem substancialmente no
país.
Vamos a mais números, valiosos para alertar a opinião
pública contra a lei do menor esforço, sempre
usada em momentos de comoção - são as
saídas fáceis, lançadas por políticos
e comunicadores, para assuntos complexos.
Desde 1999 até o ano passado, verificamos as seguintes
quedas nos índices de criminalidade em São Paulo:
57,6% nos homicídios, 57,4% nos latrocínios
(roubo seguido de morte), 43,3% em tentativas de homicídio.
Na capital, esses crimes, especialmente os homicídios,
caíram com intensidade ainda maior. Os níveis
continuam, claro, altos para uma nação civilizada.
A queda ocorreu - e continua ocorrendo- sem que se diminuísse
a maioridade penal, que consiste na ilusão de que ao
jogar um adolescente numa jaula com adultos iremos proteger
a sociedade. E também ocorreu sem que se diminuíssem
substancialmente a pobreza e o desemprego.
Ao observarmos algumas das medidas gerenciais do policiamento
de São Paulo, percebemos um avanço no uso de
novas tecnologias de informação. Desenvolveu-se
um sistema de mapeamento dos crimes, bairro a bairro, dando
maior eficiência à ação repressiva.
Por causa, em parte, desses recursos, aumentou consideravelmente
a elucidação dos assassinatos.
Melhoraram-se a análise e a transmissão de informações
que chegam pelo Disque-Denúncia, indo mais rapidamente
ao patrulhamento na rua. Instalaram-se mais bases móveis,
motocicletas e bases de policiamento comunitário.
No lado da prevenção, houve a campanha de desarmamento,
redução do horário de funcionamento dos
bares, ampliação de programas sociais e de renda
mínima, mobilização de entidades não-governamentais,
abertura de escolas aos finais de semana, entre outras iniciativas.
Em alguns bairros mais violentos, como o Jardim Ângela,
focou-se com mais intensidade na juventude.
O que cada um desses itens pesou é uma enorme dúvida,
mas existe o consenso de que o crime tem múltiplas
causas - e, portanto, seu enfrentamento depende de múltiplas
ações.
É uma intervenção de alta complexidade.
Não basta apenas aumentar a repressão, nem imaginar
que estaremos salvos quando diminuir a miséria.
Na semana passada, um estudo preparado por uma organização
internacional revelou que cidade ricas para os padrões
brasileiros são, em vários casos, mais violentas
do que cidades muito pobres.
Boa parte dos políticos discute violência como
se estivesse discutindo futebol, com base no senso comum e,
como sempre, de olho nos aplausos fáceis. Baixe-se
a maioria penal e aumentem-se as penas, logo baixará
a violência.
Tais saídas são mais fáceis de expor
do que falar em sistemas gerenciais da polícia, de
mecanismos de recuperação de infratores como
o bem-sucedido exemplo de São Carlos e Porto Alegre,
da montagem de redes no Jardim Ângela, da construção
de bairros educativos em Nova Iguaçu e Belo Horizonte
que envolve a articulação de todas as políticas
sociais, as escolas de ensino médio em tempo integral
em Pernambuco, das articulações, pela arte,
nas áreas de conflito do Rio pelo AfroReggae, das experiências
de capacitação profissional de jovens ou do
programa do Instituto de Psiquiatria da USP para unificar
as ações púbicas para as crianças
de rua em São Paulo.
E assim ficamos nas mãos de adultos que são
ignorantes - ou, ainda pior, tiram proveito da ignorância.
PS-Lula foi um dos que ajudaram a dar equilíbrio ao
debate, decidindo assumir o desgaste ao enfrentar a compreensível
comoção popular.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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