São
Paulo era o cenário das dores e conflitos, gerando
uma relação de ódio e amor - relação
que ele cultivou
Dardo Toledo Barros tinha dez anos de idade quando recebeu
a notícia de que seu pai, Luís Álvaro,
sofrera um infarto fulminante. Nunca entendeu por que não
esteve no enterro. A descoberta veio muito tempo depois. "Senti
como se fosse a segunda morte dele." A razão do
choque: a causa da morte não foi infarto, mas suicídio.
Desde esse momento, ele começou a investigar as razões
que levaram seu pai a se matar, deparando-se com uma sucessão
de surpresas - o suicídio fora motivado por razões
políticas. Essas descobertas serviram de inspiração
para um filme, previsto para ser lançado em abril,
intitulado "I
Hate São Paulo" (Eu Odeio São Paulo).
"Foi o jeito que eu encontrei de ordenar minha confusão
emocional." Ex-estudante do Colégio Santa Cruz,
Dardo, 48 anos, estudou filosofia e administração
de empresas.
Desde os 14 anos ele já investia no mercado financeiro.
No final da década de 90, mudou-se para Nova York,
onde vive até hoje, e montou um pequeno banco de investimentos,
no qual um dos produtos é uma linha de crédito
para o cinema. "Sempre adorei cinema", conta Dardo,
que integra a geração de paulistanos que freqüentavam
o cine Bijou ("não barravam menores de 18 anos")
e o Belas Artes, além de esperar ansiosamente a chegada
da mostra internacional de cinema.
Nas entrevistas com familiares e amigos do pai, um simpatizante
comunista, Dardo percebeu como a pressão dos tempos
do regime militar, as prisões e as torturas compuseram
um drama psicológico que resultou no suicídio.
São Paulo era o cenário das dores e conflitos,
gerando uma relação de ódio e amor pela
cidade - uma relação que Dardo também
cultivou e que o levou até Nova York, onde se inventou
a palavra amor trocada por um coração, inspiração
para o título de seu filme. Ele vem quase todos os
meses a São Paulo e encontra seus amigos - os ex-colegas
do Santa Cruz encontram-se com periodicidade. "Gostar
dos meus amigos é gostar de São Paulo."
Dardo aprecia a diversidade nova-iorquina, o prazer de andar
em ruas seguras, a efervescência cultural, mas não
sente o acolhimento das amizades paulistanas. Mas, para ele,
São Paulo, além dos encantos da juventude com
suas salas de cinema, também foi o cenário da
perda precoce do pai, da degradação urbana e
da violência.
Esses elementos - inclusive o investidor do mercado financeiro
que faz um filme - entraram no roteiro, no qual a cidade é
um dos principais personagens. Ao imaginar onde iria lançar
o filme, que vai entrar em circuito comercial, veio-lhe na
cabeça a cidade que ama - o lançamento será
no Colégio Santa Cruz, cercado por seus amigos.
Assista
cenas do filme
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Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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