Valdemir
Martins descobriu que alguns dos seus passageiros eram boas
histórias para um livro
Motorista de táxi há 12 anos, Valdemir Martins
descobriu que alguns de seus passageiros eram mais do que
uma fonte de renda. Eram boas histórias para inspirar
um livro. "O táxi é uma espécie
de confessionário ambulante", compara. Nesse "confessionário",
Valdemir conheceu a mulher católica, muito religiosa,
apaixonada por um padre, os truques de sedução
de garotas de programa, a desilusão de um marido traído
pela mulher, a angústia de um dentista que não
conseguia se livrar das drogas. "No táxi, muita
gente é tentada a desabafar. Sentem-se à vontade
porque imaginam que nunca vão se encontrar de novo
com o motorista."
Antes de sentir impulsos literários, Valdemir considerava-se
com dons de psicólogo. "Gosto de ouvir."
O dentista estava desabafando, comovido, sobre sua dependência
de drogas e começou a chorar. "Desliguei o motor.
Assim poderia dar lhe a atenção necessária."
Valdemir acha que, com seu jeito, conseguiu evitar uma tragédia.
O marido traído entrou transtornado em seu táxi,
tinha uma arma na mão, jurava que iria matar a mulher.
"Fiquei com medo de que a arma disparasse, tão
agitado estava o homem." O taxista aproveitou para sugerir-lhe
que pensasse sobre as conseqüências de um assassinato.
"Como o trânsito é muito ruim, deu tempo
para ele pensar." Chegaram ao destino, a mulher não
estava, mas o homem, humilhado, parecia mais conformado. Valdemir
o viu, cabisbaixo, pelo espelho do retrovisor.
As melhores histórias aparecem de madrugada, conta
Valdemir. "Mas me sentia inseguro." Nessas horas,
são os desabafos mais candentes das paixões
não correspondidas, da sinceridade dos bêbados,
da tristeza dos solitários. Muitas vezes, recebeu cantadas
de mulheres e de homens. "Preferi trabalhar apenas de
dia", conta ele, que mora na Mooca, mas cujo ponto está
na Vila Mariana.
Valdemir nunca se destacou nas aulas de português -
e muito menos imaginou que um taxista poderia ser escritor
-, mas começou a colocar aqueles casos no papel, trocando
o nome dos personagens. Pediu ajuda a alguns de seus passageiros
habituais, entre os quais psicólogos e escritores,
consultores informais, que davam palpites durante o trajeto.
"Todos me incentivaram." Nenhuma editora se interessou.
Mas Valdemir não parece disposto a desistir. "Antes
mesmo do livro sair, pelo menos 40 pessoas já garantiram
que vão comprar", orgulha-se, avaliando que esse
sinal sugere um futuro editorial promissor.
Até lá, Valdemir compensa a clandestinidade
literária transformando seus passageiros mais compreensivos
em leitores de suas memórias.
PS-Coloquei abaixo duas histórias escritas pelo motorista.
Leia
as histórias
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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