A redefinição
da velhice condiciona, em parte, o destino das cidades; o
"petróleo" está
no solo
A redefinição do conceito de velhice é
traduzida nos números de trânsito: nos últimos
quatros anos, aumentou em quase 70% o número de motoristas
com mais de 60 anos no Estado de São Paulo, segundo
o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). A mudança
ainda mais veloz ocorreu na faixa acima de 80 anos, na qual
se registrou um crescimento de 200%.
Mais uma tradução, dessa vez com indicadores
do emprego formal: são os profissionais entre 50 e
64 anos que, proporcionalmente, mais se expandem no mercado
de trabalho. A taxa é nada menos que 80% maior do que
a média nacional. A média é superada
até mesmo por quem tem mais de 65 anos. Em determinados
setores, existe uma caça aos aposentados. É
um movimento que se nota desde 2004 e não pára
de acelerar.
A redefinição da velhice condiciona, em parte,
o destino das cidades, já que está ocorrendo
uma mudança da paisagem urbana -como muitos dos temas
que exigem visão de longo prazo, o impacto de alterações
demográficas quase não aparece no debate eleitoral.
Nessa mudança de paisagem, estamos diante de uma riqueza
ainda maior do que o tão badalado petróleo na
camada pré-sal. A diferença é que, nesse
caso, não precisa perfurar nada. O "petróleo"
está no solo.
Um dos riscos óbvios: não estamos nem remotamente
preparados para enfrentar o envelhecimento da população,
fato que exige tratamentos muito mais caros e demorados. Não
estamos nem preparados para cuidar de questões simples.
Por isso, essa é a grande questão do debate
eleitoral paulistano -muito, mais muito, mais importante do
que, por exemplo, o trânsito.
Basta lembrar que crianças não conseguem aprender
porque não ouvem nem enxergam direito. São problemas
simples e baratos de serem tratados.
Há uma boa perspectiva também óbvia.
Com menos crianças e jovens, é menos difícil
enfrentar os problemas da infância e da adolescência.
Uma das questões mais relevantes -e aí nada
óbvia- é apontada pelo demógrafo José
Marcos Pinto da Cunha, da Unicamp. O país está
com uma enorme chance de melhorar seus indicadores sociais
e as cidades serão grandes beneficiárias. Haveria,
segundo ele, muitíssimo mais benefícios do que
prejuízos com o envelhecimento da população.
O pesquisador mostra que, por muitas décadas, a maioria
da população será formada por pessoas
na fase produtiva, gerando empregos e salários -uma
situação nova, criada pela redução
do número de crianças e adolescentes, combinada
com o fato de que ainda é pequena a proporção
de idosos.
Ainda estamos longe, segundo ele, do perfil europeu, em que
cada vez menos trabalhadores devem manter os aposentados.
Mas, afirma Marcos, chegaremos lá e aí já
não teremos esse benefício.
Enquanto vivermos essa transição, teremos a
chance de produzir mais riquezas para sustentar velhos e crianças.
Se estiverem empregadas, as pessoas terão feito uma
poupança para sua aposentadoria, mantendo-se consumidoras
e, assim, estimulando empregos.
Além disso, as pessoas tendem a se manter no trabalho
por mais tempo. Uma reportagem recente da revista "BusinessWeek"
mostrou o número crescente de executivos com mais de
80 anos, reflexo da valorização de atributos
dos mais velhos -a serenidade, a experiência e o senso
de perspectiva, por exemplo. Nada disso seria possível
sem os avanços da medicina.
As cidades que souberem aproveitar esse potencial sairão
ganhando em inovação. Aproveitar significa oferecer
sofisticados serviços médicos, facilidade de
locomoção e programas de aprendizagem permanente.
Tirar proveito, de fato, daquele pré-sal depende não
só do crescimento econômico, mas da qualificação
dos trabalhadores. Isso se traduz na necessidade de melhoria
do ensino público e, mais ainda, no encaminhamento
ao mercado de trabalho. Não é o que ocorre.
O ensino é ruim e a oferta de cursos profissionalizantes,
escassa. Sem contar os desperdícios que cursos ruins,
desconectados da realidade isso para não falar do desvio
de verbas.
Sem isso, o que era apenas uma possibilidade se transformou
em mais um desperdício, desses que estamos tão
acostumados no Brasil -é como se jogássemos
fora, sem explorar, as reservas do pré-sal.
PS: Uma das notícias interessantes da eleição
paulistana é que todos os principais candidatos estão
colocando como missão aumentar a oferta de ensino técnico
o que, até pouco tempo, era visto como uma tarefa dos
governos estadual e federal. O prefeito consegue melhor do
que ninguém conhecer as vocações de cada
bairro e estimular, a partir disso, a formação
profissional. Vejam o absurdo. Um dos obstáculos para
a expansão do ensino técnico público,
na cidade de São Paulo, é a falta de áreas
para construir. Uma parceria com o poder local resolveria
rapidamente esse problema.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|