Passageiros
de ônibus vão poder aproveitar a modorra do trânsito
paulistano para virar fotógrafos
Para aliviar a claustrofobia que sentia
em São Paulo, o estudante de arquitetura Klaus Mitteldorfd
se refugiava nas praias ainda isoladas de Ubatuba, muitas
das quais com difícil acesso de carro. Aprendeu a surfar
e descobriu uma profissão. Começou a ganhar
dinheiro não em cima das ondas, mas olhando para elas.
A partir da próxima semana,
ele vai se dedicar à tarefa de fotografar a claustrofóbica
São Paulo nos seus ambientes mais claustrofóbicos:
dentro dos ônibus no horário do rush. "Vou
aprender a ver a cidade de um ângulo totalmente novo."
Se a sua experiência der certo, passageiros de ônibus
vão poder aproveitar a modorra do trânsito paulistano
para virar fotógrafos, com direito a uma galeria para
expor os próprios trabalhos.
O encanto pelo mar fez com que Klaus jogasse fora o diploma
de arquitetura e se tornasse o primeiro fotógrafo brasileiro
especializado em surfe. "Sou daqueles que têm amor
e ódio da cidade. Amor porque é o cenário
das minhas paixões e ódio por causa da falta
de ar e de um horizonte."
A fotografia deu certo na vida do ex-futuro arquiteto, quando
se dedicou menos às ondas e mais à fotografia
de moda e publicidade. Isso significou contratos, inclusive
no exterior, que o levaram a viver em cidades como Munique
e Paris, com paradas freqüentes em Nova York e Milão.
Garantiu também um espaço cativo em seu refúgio
ao estresse paulistano: comprou uma casa em Ubatuba.
É um ângulo novo por dois motivos. O primeiro
é que Klaus nunca tinha feito de São Paulo o
seu cenário fotográfico. O segundo é
que ele, há muito tempo, já não anda
de ônibus. "Só andava de ônibus quando
era adolescente." Hoje ele tem 54 anos.
Klaus colocou na rota não só os pontos mais
badalados da cidade, como Vila Madalena, Jardins, avenida
Paulista ou os pontos históricos da região central,
mas também os extremos da periferia. "Estar numa
posição mais alta vai produzir uma visão
diferente." Assim como estar espremido talvez produza
um ângulo diferente dos humanos na condição
de passageiros, grudados ao fotógrafo.
O melhor ângulo dessa experiência é que
o próprio ônibus vai se transformar numa galeria
de arte em movimento para a exposição das fotos,
exibidas numa televisão -as fotos serão mostradas
periodicamente durante a programação da TVO,
canal de mídia que funciona dentro dos ônibus
de São Paulo.
A idéia, porém, é que o conhecido fotógrafo
seja substituído por anônimos, munidos de seus
celulares. Os passageiros serão convidados a registrar
e a enviar suas imagens para serem exibidas, quando terão
ao menos seus 15 quilômetros de fama.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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