Maria
Neuza, mãe de ex-alunas de escola pública de
São Paulo, ajudou a melhorar as condições
do colégio
Ex-telefonista, Maria Neuza da Costa Guidoni, agora aposentada,
carrega uma frustração: por falta de dinheiro,
não conseguiu entrar numa faculdade. Seu projeto era
se tornar advogada. Até chegou a fazer um cursinho
pré-vestibular, mas percebeu que não poderia
parar de trabalhar. "O que mais me incomoda é
que não desenvolvi o dom da expressão. Eu me
sinto incompleta." Talvez por causa de sua baixa auto-estima
escolar, Maria Neuza não se sinta uma das responsáveis
por um caso raro de êxito educacional na cidade de São
Paulo.
Quando fui procurá-la para a entrevista, Maria Neuza
estranhou e suspeitou que se tratasse de um equívoco.
"Você tem certeza de que está falando com
a pessoa certa?" O nome da diretora da escola é
parecido: Maria Cleusa. "Sou uma pessoa sem nenhuma cultura",
disse, sem entender o interesse jornalístico.
Ela é um dos personagens anônimos que estão
por trás do fato de o colégio Rui Bloem ter
conseguido manter pelo segundo ano consecutivo a posição
de melhor escola pública estadual da capital paulista,
segundo o ranking do Enem, divulgado na semana passada. Sua
nota a coloca à frente de muitas escolas particulares.
"É um motivo de orgulho", comenta Maria Neuza,
que não é professora nem funcionária
da escola.
Nem ao menos é mãe de aluno. É apenas
mãe de ex-alunas. O fato de suas filhas terem terminado
os estudos no colégio não a fez sair da associação
de pais e mestres, da qual é diretora-executiva.
Por causa da capacidade dos pais de levantar recursos, a
Rui Bloem tem um aspecto de escola privada, com as paredes
limpas e pintadas, os jardins bem cuidados. O ambiente de
trabalho organizado é um dos ingredientes para estimular
alunos e professores. "Quem não sente prazer em
ver um jardim bonito?", pergunta. A direção
e os professores são os primeiros a reconhecer o impacto
positivo da paisagem.
O importante, porém, é que, por trás
da ordem física, existem pais atentos à educação
dos filhos, cobrando melhor qualidade de ensino. Sem isso,
seria muito mais difícil para a direção
combater, por exemplo, os professores faltosos. Também
seria mais difícil conseguir parcerias com a comunidade,
como um centro de línguas (os alunos podem estudar
até japonês) ou programas de eletrônica
e eletricidade de uma faculdade de engenharia. De acordo com
estatísticas educacionais em várias partes do
mundo, essa participação faz uma expressiva
diferença nas notas.
Maria Neuza se sentiu agradecida pelo tratamento que suas
duas filhas tiveram naquela escola. Por isso, decidiu continuar
como voluntária -mesmo na condição de
mãe de ex-alunas. A satisfação tem um
motivo concreto: uma das suas filhas conseguiu entrar na faculdade.
"É como se, de algum jeito, eu também tivesse
entrado na faculdade."
Isso fez com que ela passasse a nutrir a esperança
de voltar a estudar e, depois de tanto tempo, entrar numa
faculdade. Isso que, para ela, seria uma realização
e tanto na vida, por maior que seja, ficaria bem longe de,
como uma espécie de educadora informal, ter ajudado
a criar a escola bicampeã na lista das escolas estaduais
da cidade.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria
Cotidiano.
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