É
impossível travar um debate sobre o desempenho de um
governo se o eleitor não entende porcentagem
A CADA ELEIÇÃO, OS JORNALISTAS tentam descobrir
meios para tornar menos chatos os debates técnicos
de programas de governo pelo simples e óbvio motivo
de que o essencial, na disputa, deveriam ser as propostas
dos candidatos. Saímos frustrados dessa batalha editorial
porque sempre vence, com ampla diferença, o jogo de
marketing, com a manipulação de emoções
e as promessas faz-de-conta que desaparecem com a desmontagem
dos palanques. Novamente, vamos nos frustrar na escolha dos
futuros prefeitos.
Uma das razões dessa inevitável frustração
apareceu na semana passada, quando foi revelada a trágica
falta de capacidade dos brasileiros de lidar com números.
Na quinta-feira, saíram os resultados das provas
do Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo), que revelaram que,
na rede estadual de educação de São Paulo,
apenas 4,3% dos alunos do terceiro ano do ensino médio
apresentaram o conhecimento adequado de matemática
-os demais 95,7% foram classificados no nível "abaixo
do adequado". Para chegar ao "adequado", o
estudante precisaria, por exemplo, fazer cálculos de
porcentagem ou selecionar dados de um gráfico.
É impossível travar um debate com um mínimo
de objetividade sobre o desempenho de um governo se o eleitor
não entende nem mesmo o que é uma porcentagem
ou um simples gráfico.
Note que estamos falando de uma rede de educação
de São Paulo, que está entre os primeiros lugares
nos testes nacionais. Considere também que, neste artigo,
selecionei apenas os alunos do último ano do ensino
básico, um grau de escolaridade de uma minoria dos
brasileiros.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, somos 127 milhões
de eleitores, dos quais mais do que a metade (64 milhões)
não conseguiu o diploma do ensino fundamental; desse
total, 8,2 milhões não sabem ler nem escrever.
No Nordeste, a média dos que não têm diploma
do ensino fundamental sobe para 70%.
A subcidadania matemática do eleitor é visível
cotidianamente no consumidor. Grupos financeiros vêm
desenvolvendo programas de ensino de matemática para
jovens e adultos. A razão é simples, e não
é apenas por caridade educacional.
Com a maior oferta de crédito popular, muita gente
está se afundando em dívidas porque não
sabe comparar o valor de cada prestação ao próprio
salário. As financeiras querem que o indivíduo
compre, mas não que ele quebre e dê o calote,
daí seu ímpeto educativo.
Se já é difícil para um indivíduo
calcular se uma prestação o levará ao
buraco, muito mais difícil é a escolha de um
candidato ou a avaliação racional de uma gestão
administrativa, baseada em indicadores.
O problema não é só votar com menos
consciência, mas não saber, depois, fiscalizar
os governantes. Isso ajuda a explicar por que escolas numa
região tão desenvolvida como São Paulo
ensinam tão pouco. Se todos os pais conseguissem entender
o que sai dos testes educacionais, eles se indignariam, cobrariam
atitudes dos governantes e se vingariam nas urnas -e seus
filhos saberiam fazer contas, seriam melhores eleitores e
não se deixariam enganar tão facilmente pelas
baboseiras dos candidatos.
A frustração dos jornalistas, então,
seria amenizada porque eleitores atentos são bons leitores,
e os programas dos candidatos não seriam de faz-de-conta.
Está aí o custo daquela brincadeira de que,
no Brasil, o aluno faz de conta que aprende e a escola faz
de conta que ensina -o resultado final é a cidadania
do faz-de-conta.
PS - Há, no entanto, pelo menos dois motivos para
comemorar : 1) Graças à linguagem simplificada,
é possível saber como anda cada escola e compará-la
às demais, estabelecendo um ranking, o que facilita
a pressão. Vemos que, em lugares onde os professores
estão mais comprometidos (faltam menos), são
mais bem preparados, sabem usar o cotidiano para ilustrar
as aulas e aproximam-se da comunidade, os resultados aparecem.
2) O teste vai servir para romper o pacto de mediocridade
e premiar todos os funcionários da escola, com base,
principalmente, no sucesso dos alunos. A implantação
do prêmio por mérito faz sentido, porque os professores
receberam, neste ano, materiais que estabelecem a expectativa
de aprendizagem para cada série.
Por causa desses dois motivos de comemoração
e pela importância da rede pública de São
Paulo, não tenho dúvidas em afirmar que estamos
diante do mais importante projeto de renovação
da educação brasileira.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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