Em meio
à sujeira do rio Tietê, o documentarista Evaldo
Mocarzel testemunhou cenas de beleza natural
A convivência íntima com os odores, a sujeira
e a poluição do rio Tietê ensinou o documentarista
Evaldo Mocarzel a descobrir, ao mesmo tempo, um novo olhar
sobre a arte e uma nova maneira de ver a cidade. A descoberta
levou-o a percorrer, na noite de segunda-feira, a praça
Roosevelt, até pouco tempo atrás só ocupada
por mendigos, traficantes, viciados e travestis -uma paisagem
tão deteriorada como a do rio que corta São
Paulo, mas agora rodeada de atores e de toda uma tribo que
aprecia o teatro alternativo.
Nascido em Niterói, criado no Rio e há 17 anos
morando em São Paulo, Mocarzel filmou a peça
BR3, encenada ao longo do Tietê, para um documentário,
ainda em fase de finalização. "Vi como
a peça conseguiu chamar a atenção para
um rio tão esquecido pela população."
Ele próprio trabalhou por muitos anos na marginal do
Tietê e nunca tinha prestado atenção ao
rio, onde conseguiu, em meio à sujeira, testemunhar
cenas de beleza natural -um vôo solitário de
uma garça ou o caminhar vagaroso de uma anta em meio
a flores.
Imagens urbanas desoladas já não surpreendem
Mocarzel há muito tempo -aliás, essa é
a matéria-prima de seus documentários, nos quais
aparecem moradores de rua, catadores de papel e integrantes
do movimento dos sem-teto. "A diferença é
que, ali no Tietê, aprendi como a arte dá novo
significado aos espaços de uma cidade.
É como se transformassem exatamente num palco."
Justamente por isso ele estava, na noite de segunda-feira,
iniciando as filmagens sobre o grupo Os Satyros, cujo teatro
foi decisivo para mudar a paisagem da praça Roosevelt
e criar um pólo de arte alternativa.
Está previsto para este semestre o anúncio da
empresa vencedora de licitação pública
para a reforma da praça, cuja vocação
é claramente teatral. "Quero mostrar toda essa
transformação, na qual a arte remodela a cidade."
Foi esse mesmo olhar que Mocarzel projetou no Jardim Ângela,
região conhecida, até pouco tempo atrás,
como a mais violenta do mundo e cujo cemitério mais
próximo, no Jardim São Luiz, era apontado como
o local em que havia mais jovens enterrados por metro quadrado.
Ele registrou as imagens de jovens - desses que poderiam estar
debaixo da terra, vítimas de um tiro-produzindo vídeos.
As imagens degradadas paulistanas, mescladas com a redenção
da arte, estão levando o documentarista à cidade
em que foi criado. Vai documentar o projeto de dança
da coreógrafa Lia Rodrigues na favela da Maré.
"É incrível o poder luminoso da arte nessa
áreas sombrias."
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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