O ideal
seria que as aulas só começassem à tarde,
diz neuropediatra que estuda distúrbios do sono
As escolas ajudariam os adolescentes a aprender melhor se
os deixassem dormir mais tempo de manhã -aliás,
o ideal seria que as aulas só começassem à
tarde. "Posso assegurar que deixar os jovens mais tempo
na cama seria recomendável."
A frase soaria como uma espécie de estímulo
à preguiça ou defesa da vagabundagem não
fosse dita pela neuropediatra Márcia Pradella, cuja
grande razão de levantar todos os dias da cama é
brigar com os problemas de sono dos estudantes -o que, obviamente,
torna a sua vida mais agitada a partir desta semana, quando
iniciam as aulas.
Por trás dessas dicas de saúde que soam estranhas
aos pais e professores, há um laboratório criado
por Márcia, na década de 1990. "Pouca gente
já sabe como os problemas de sono minam os estudantes."
Formada em neurologia pediátrica, Márcia conseguiu
ser aceita num programa de pesquisas na Bélgica, onde
se estudavam distúrbios de sono dos adultos. Como tinha
interesse em neurologia infantil, ela começou a participar
de pesquisas sobre a dificuldade de dormir das crianças
e dos adolescentes.
Apesar dos convites para continuar a fazer pesquisas na Europa,
preferiu voltar ao Brasil, onde imaginava que poderia realizar
atendimentos. "Estava cansada de ficar só em laboratório",
conta ela. Quase se arrependeu -até porque ela, preocupada,
começou a perder um pouco o sono.
Márcia já estava havia seis anos fora do país
e tinha perdido muitos de seus contatos médicos. No
Brasil, pouco se falava em tratamento dos distúrbios
do sono, muito menos nos problemas relacionados a crianças
e adolescentes. Para complicar a adaptação,
voltou acompanhada de seu marido, um irlandês que dava
aulas de inglês no ensino médio. Ambos, na Europa,
viviam bem e tinham salário fixo -no Brasil, estavam
desempregados. "Na prática, eu tive de reconstruir
minha carreira."
Com tempo vago, Márcia fez alguns cursos na Universidade
Federal de São Paulo, onde se criava um departamento
especialmente para estudar o sono. Foi a brecha que a levou
a ser, no Brasil, pioneira de pesquisas com crianças
e adolescentes. O que era uma pequena sala transformou-se
em toda uma ala com 17 quartos.
É nesse espaço que ela vê como, por ignorância,
crianças são apontadas como burras ou preguiçosas
porque não aprendem -quando, na verdade, têm
dificuldade de dormir. "Pelo menos 20% dos estudantes
sofrem de algum tipo de dificuldade do sono por falhas respiratórias",
diz a neuropediatra.
Na adolescência é comum, segundo ela, a mudança
no relógio biológico. "É uma mudança
incompreendida pelos pais e professores. Daí a sua
proposta de que as escolas aprendam a lição
de biologia e deixem os seus alunos ficarem mais tempo na
cama. Por enquanto, uma idéia que só apareceria
no sonho dos adolescentes.
Link relacionado:
Sono
dos adolescentes faz diretora alterar os horários da escola
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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