A chance
de um analfabeto entrar no mercado formal paulistano é zero.
Mais precisamente, 0,2%
Existem apenas 10 mil analfabetos
entre os 3,9 milhões de trabalhadores com carteira
assinada na cidade de São Paulo. Traduzindo os números:
a chance de um analfabeto entrar no mercado formal paulistano
é zero. Mais precisamente, 0,2%.
Tais informações ajudam
a explicar por que, no ano passado, as empresas saíram
à caça da terceira idade e dos aposentados.
Os profissionais que mais avançaram proporcionalmente
tinham mais de 65 anos de idade; abaixo deles, só aqueles
acima de 50 anos de idade. Afinal, são indivíduos
com mais experiência e escolaridade.
Esses dados fazem parte do projeto
de um observatório, que deve ser lançado na
próxima segunda-feira, criado para mapear mensalmente
o emprego local. Até agora, apenas se conhecia o índice
do desemprego metropolitano, como o divulgado na quinta-feira
passada pelo IBGE.
Não se sabia o tamanho do
problema na cidade de São Paulo, o que dificultava
a criação de políticas públicas
mais localizadas, como capacitação de mão-de-obra.
De acordo com os dados do observatório, 816 mil pessoas
estavam desempregadas na capital, enquanto dezenas de milhares
de vagas não eram ocupadas por falta de qualificação.
Elaborado pela Fundação
Seade e pelo Dieese, em parceria com a Secretaria Municipal
do Trabalho, esse observatório de emprego é
um detalhe de uma novidade na vida política brasileira,
visível na semana passada durante a comemoração
dos 454 anos de São Paulo.
Os dados sobre o emprego farão
parte de um elenco de 120 indicadores para acompanhar a qualidade
de cada região da cidade -o que significa acompanhar
fatos tão diversos como o número de motoboys
que se acidentam, o número de jovens que têm
uma gravidez precoce, o desempenho dos alunos, a mortalidade
infantil, a poluição do ar e o congestionamento
do trânsito.
As informações serão
monitoradas permanentemente pelo Movimento Nossa São
Paulo para que se possa ler o que acontece numa comunidade
e avaliar o desempenho das políticas públicas.
Esse será um nível de leitura inédito
no país, que estabelecerá um novo tipo de relacionamento
dos cidadãos com a administração pública
na esfera local -e, obviamente, servirá de modelo para
políticas estaduais e nacionais.
O que se pretende é saber, em detalhes, tudo o que
ocorre na dimensão local. Um exemplo ocorreu na segunda-feira
passada, quando o Unicef divulgou relatório em que
mostra a redução, de 1990 até agora,
de 65% no índice de mortalidade infantil no Brasil.
A taxa atual é de 20 mortes por mil nascidos. O indicador
da cidade de São Paulo, como seria de esperar, é
bem melhor: está em 12 por mil. Isso deveria ser motivo
de festa, afinal estamos além das metas do milênio
estabelecidas pela ONU.
Vejamos. O detalhamento da média revela que, na cidade,
encontramos bairros que ainda estão no patamar nordestino
e bairros que se nivelam, sem nenhum exagero, à Suécia.
Para entender como esse mapeamento faz toda a diferença,
basta ver a maior conquista social da cidade de São
Paulo: a redução da taxa de homicídios
em 75% desde 1999. Essa brutal queda deve-se, em larga medida,
ao fato de que, desde o ano 2000, se mapeou o crime da cidade
rua por rua, facilitando uma repressão mais inteligente.
Antes só conhecíamos o desempenho dos alunos
por uma vaga média.
Agora, já sabemos o que ocorre em cada escola -e, a
partir deste ano, conheceremos a realidade de cada sala de
aula.
Vimos que, num mesmo bairro, escolas muito próximas
umas das outras apresentam desempenho muito diferente. Conhecer
essas diferenças pode viabilizar a idéia, por
exemplo, de premiar os professores, diretores e servidores,
com base na nota dos alunos.
A novidade política, de fato, é que esse mapa
é montado não pelo poder público, mas
pela comunidade disposta não só a aprender a
ler a cidade mas a construí-la. As metas estabelecidas
não são só de um governo ou de um partido,
são metas coletivas. Isso escapa da tradição
brasileira de, primeiro, dar pouca atenção à
dimensão local e, segundo, não pensar o futuro.
PS - Por falar em leitura, vivi na semana passada uma daquelas
experiências educacionais inesquecíveis. Um grupo
de adolescentes, estudantes de escolas públicas da
periferia, envolvidos no projeto Círculo de Leitura,
do Instituto Fernand Braudel, são apresentados a obras
clássicas. Na quinta-feira, estudavam um texto sobre
a alma e o espírito do escritor Thomas Mann. Fiquei
paralisado admirando a profundidade com que eles debatiam
sobre a hermética obra, buscando as mais diversas referências
-Platão, por exemplo.
Desvendar a complexidade do texto, relacionando-o com o cotidiano,
não era um problema, mas um prazer. Estava exatamente
ali, naquela experiência, o melhor e mais profundo indicador
sobre o que pode ser o futuro de uma comunidade, quando sabemos
ensinar -e os alunos gostam de aprender. Muitos desses jovens
acabam se tornando monitores de leitura de obras clássicas
em escolas públicas.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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