O cérebro
paulistano é movido pela bipolaridade entre a excelência
e a selvageria, entre o orgulho e a vergonha
Se forem bem-sucedidos os experimentos
desenvolvidos no hospital Sírio-Libanês pelo
médico Manoel Jacobsen Teixeira, professor de neurologia
da Universidade de São Paulo, vítimas de paralisia
vão poder mexer o corpo usando apenas o cérebro.
"Estou esperançoso", comenta o professor,
preparando-se para fazer a demonstração até
o final do ano.
Graduado e pós-graduado na
USP, com especializações na Suíça,
na Inglaterra e na Alemanha, Jacobsen se prepara para instalar
um chip no cérebro de indivíduos para captar
sinais elétricos das células nervosas e mover
uma prótese acoplada ao corpo. É o que poderíamos
traduzir como a força do pensamento.
Há uma vasta rede de pesquisadores,
espalhados pelo mundo, por trás dessa cirurgia. Sua
conexão central está no Centro de Neuroengenharia
da Duke University, nos Estados Unidos, dirigido por Miguel
Nicolelis, também formado pela USP. Nicolelis ganhou
ainda mais destaque internacional, na semana passada, por
ter feito uma macaca movimentar com o cérebro um robô.
Detalhe: a macaca estava na Carolina do Norte, e o robô,
em Tóquio.
Esse é um dos ângulos
para tentar entender o cérebro da cidade de São
Paulo, que, nesta semana, completa 454 anos.
Por trás desse projeto científico
de impacto mundial, há uma rede de excelências
que, no lado brasileiro, mais precisamente paulistano, é
formada por marcas como USP e Sírio-Libanês,
um hospital que, além de curar, desenvolve pesquisa
-os principais hospitais da cidade de São Paulo se
transformaram em pólos de ensino e pesquisa, ligados
a centros de excelência da Europa e dos Estados Unidos.
Neste ano, por exemplo, teve início um projeto de Harvard
dentro da Santa Casa.
A sensação de que vivemos
numa sociedade cosmopolita ocorre igualmente quando acompanhamos
a movimentação da São Paulo Fashion Week,
um dos principais eventos mundiais da moda. Por trás
das efêmeras luzes, há toda uma cadeia de criatividade
nos mais variados setores, como gestão de marcas e
produção de eventos. Os ateliês são,
em essência, laboratórios.
Considerado o mais importante estilista
brasileiro, Alexandre Herchcovitch, originário de uma
humilde família de classe média, sente-se tão
em casa em São Paulo como em Nova York, onde faz parte
do circuito da moda. Prontificou-se a dar aulas no Senac apenas
para estabelecer conexões entre estudantes, professores
e as tendências do mercado.
Além da medicina e da moda,
vamos encontrar essa mesma sofisticação cosmopolita
nos mais variados setores paulistas, dos musicais à
propaganda, passando pela gastronomia, pelas finanças
e pela mídia.
Nesta mesma semana, em que ganharam
destaque mundial nomes como Jacobsen, Nicolelis e Herchcovitch,
a cidade de São Paulo sofreu uma chacina em que morreram
sete pessoas, foi assassinado um comandante da Polícia
Militar que andava de bicicleta e três indivíduos
foram mortos por se envolverem em um seqüestro.
Na última sexta-feira, grupos
de motoboys tentavam parar ainda mais o trânsito para
impedir a implantação de medidas de segurança.
A cada dia, um motoboy morre na cidade, e 25 deles ficam gravemente
acidentados. São tantos e tão graves os acidentes
que médicos da USP desenvolveram cirurgias da região
genital, expostas em congressos internacionais.
Provavelmente, uma boa parte das
entregas para a requintada Fashion Week foi feita na velocidade
tresloucada dos motoboys. Igualmente, muitos hospitais usam
os serviços desses profissionais. Um motoboy, desses
que já sofreram vários acidentes, contou-me
que prestava serviços regulares para um banco de sangue.
O cérebro paulistano é
movido pela bipolaridade entre a excelência e a selvageria,
entre o orgulho e a vergonha. Essa oscilação
nos faz sempre comemorar com certo constrangimento o aniversário
da cidade, que, sintomaticamente, ocorre no mês em que
se produzem algumas das piores cenas urbanas, como as enchentes
em meio ao congestionamento (e os motoboys estendidos no chão)
e algumas das melhores imagens de beleza, visíveis
numa passarela.
PS - Como tenho defendido que um dos
sinais de selvageria paulista é o costume dos políticos
de fazer da cidade de São Paulo um trampolim, informo
uma conversa, olho no olho, que tive com Geraldo Alckmin.
Ele disse que, se sair mesmo candidato
a prefeito, está disposto a assinar um documento comprometendo-se
a terminar o mandato e a não disputar o governo estadual.
Disse que já foi governador por muito tempo, que uma
candidatura presidencial não é viável
e que ser prefeito de uma cidade como São Paulo é
um desafio estimulante. A ver.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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