Os números
mostram como a epidemia da violência se espalhou pelo
Brasil, escapando das metrópoles
Apontada mundialmente como uma referência de civilidade
urbana, Curitiba foi alvo, na semana passada, de um pesado
ataque a sua imagem. Quem imaginaria que lá se poderia
correr mais risco de assassinato do que no Rio de Janeiro?
Já soaria até muito estranho comparar as duas
cidades no quesito violência. Ainda mais esdrúxulo
seria colocar Curitiba em desvantagem. Feito com base em informações
dos ministérios da Saúde e da Justiça,
o "Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros
2008", divulgado na última terça-feira,
revela até mesmo uma diferença expressiva: em
Curitiba, o índice de assassinatos por 100 mil habitantes
foi, em 2006, de 49,3 e, no Rio, de 37,7. Surpreso? Então
veja a comparação com Florianópolis,
até pouco tempo atrás a capital mais segura
do país, vista como um refúgio contra o caos
urbano.
Florianópolis, com a taxa de 40,7, não só
perde para o Rio como fica bem longe de São Paulo,
que, em 2006, teve 23,7 assassinatos por 100 mil habitantes.
A comparação ficaria ainda muito pior se a base
fosse o ano de 2007; segundo relatório publicado na
quinta-feira, a queda do índice na capital paulista
em relação ano anterior foi de 22%.
Os números mostram como a epidemia da violência
se espalhou pelo Brasil, escapando das metrópoles -e,
ao mesmo tempo, como se vai aprendendo, aos poucos, a lidar
com a violência.
Comparadas a São Paulo e ao
Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis são
cidades que têm populações pequenas, não
sofrem com tantas favelas, oferecem educação
de melhor qualidade e registram um nível de desemprego
mais baixo.
O responsável pelo "Mapa
da Violência", Julio Jacobo Waiselfisz, da Ritla
(Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana),
acredita que haja uma questão de aprendizado. "Lugares
mais pacatos não se prepararam como deveriam para o
aumento da violência", diz ele. A leitura de seu
relatório mostra que a média nacional caiu entre
os períodos de 2004 e 2006, em comparação
com o biênio anterior, por causa especialmente dos resultados
melhores (embora ainda preocupantes) obtidos pelas regiões
metropolitanas do Rio, de Belo Horizonte e de São Paulo.
Registraram-se quedas, embora modestas, até mesmo na
tão temida Baixada Fluminense, em cidades como Duque
de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu.
Sem algumas melhorias nos indicadores de homicídio
nessas três regiões metropolitanas, a manchete
dos jornais seria a seguinte: "Explode a violência
no Brasil". Foi o desempenho dessas regiões que
ajudou a compensar os índices de lugares como Foz de
Iguaçu, no Paraná, que, embora ostente uma das
maiores belezas do mundo, as famosas cataratas, carrega o
incômodo título de capital brasileira da morte
de jovens.
Só para dar uma idéia, a queda na média
nacional, naquele período, foi de 5%, com a redução,
em termos absolutos, de 1.739 mortes -o número é
muito próximo do atingido apenas na cidade de São
Paulo. Em suma, se a cidade São Paulo não tivesse
tido menos assassinatos, a média nacional ficaria estacionada.
Denis Mizne, um dos fundadores do movimento "Sou da
Paz", acredita que, como as regiões metropolitanas
sofrem há mais tempo com a violência, há
maior envolvimento da comunidade na tentativa de solucionar
o problema e pressão por maior eficiência policial.
"Há uma série de bairros mais vulneráveis
que estão conseguindo combinar repressão com
prevenção, unindo os diferentes níveis
de governo e a comunidade", diz. Já se viu o que
significa a polícia trabalhar com um mapeamento mais
preciso sobre o crime e, assim, atuar com menos desperdício.
Esse ensaio de reação nas metrópoles
e a novidade no mapa da barbárie brasileira mostram
que, em alguns lugares, de tanto morrer se vai aprendendo
a viver.
PS - Como quanto mais precisos forem os dados, melhores serão
as ações públicas, vale a pena prestar
atenção num mapeamento inusitado na cidade de
São Paulo, apresentado na sexta-feira passada e, justamente,
inspirado no Infocrim, o sistema eletrônico de informação
criminal criado para saber, rua a rua, onde está o
crime. A partir de agora, é possível saber não
só a situação de cada sala de aula das
escolas municipais mas a de cada aluno. Levantei, por exemplo,
as informações da escola mais próxima
de casa. Foi possível saber que 15% dos estudantes
acabam a segunda série sem saber ler, enquanto a média
da região é de 11,8%, e a da cidade, de 14,6%.
Comparei os dados com os de outra escola de uma região
com perfil socioeconômico semelhante ao do meu bairro,
cujo índice de analfabetismo naquela mesma faixa é
de 5,1%; depois, tive acesso aos dados de uma escola que funciona
dentro de uma favela, cuja taxa é de 19,2%.
Está aqui uma das chaves da conquista de sociedades
menos selvagens: a articulação das comunidades.
Já se pode saber, pelo nome, quem está na oitava
série com os conhecimentos apenas da sexta série.
É algo que, se não ficar no papel -aliás,
como fica a maioria das avaliações-, tornará
possível focalizar esforços.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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