O contrabaixista
Adriano Costa, 19, foi nesta semana, pela primeira vez, a
Nova York e conheceu o Carnegie Hall
Nascido na favela de Heliópolis, Adriano Costa, 19,
foi nesta semana, pela primeira vez, a Nova York e, tocando
o seu contrabaixo, conheceu o Carnegie Hall, um dos mais importantes
palcos de música do planeta. "É tanta novidade
que não sei onde minha vida vai dar."
No próximo sábado,
por exemplo, vai dar no sambódromo, quando desfilará
em cima de um carro alegórico -também pela primeira
vez. "Não estou acreditando." Certamente
ele será uma das boas histórias do Carnaval
deste ano.
Há algumas semanas, ele foi
a Jerusalém -de novo, mais uma primeira vez. "Foi
a emoção mais forte da minha vida." Tão
forte que, ao andar pela cidade, desatou a chorar, sentindo-se
numa terra de milagres. Se alguém lhe perguntasse se
ele estava passando mal, poderia responder que só estava
emocionado -e responder em hebraico, uma língua que,
obviamente, Adriano imaginava, até pouco tempo, que
só falaria por milagre. Isso seria bem provável
não fosse ele ter se deparado com Zubin Mehta, regente
da Orquestra Filarmônica de Israel.
Mehta regeu a Orquestra Sinfônica
de Heliópolis, criada pelo maestro Silvio Baccarelli.
Ficou impressionado com o talento de Adriano, então
com 17 anos. Convidou-o a estudar na escola da Filarmônica
de Israel, na Universidade de Tel-Aviv. Adriano logo seria
convidado a ser o líder dos contrabaixistas. A trajetória
de Adriano inspirou um personagem desenvolvido por Antônio
Ermírio de Moraes para a sua peça "Acorda,
Brasil", na qual, ao falar sobre educação,
contou a experiência do maestro Baccarelli em Heliópolis.
A peça, então, se transformou
na inspiração para o samba-enredo da Vai-Vai,
escola de samba que decidiu apresentar um carro alegórico
chamado de "Superação" e, nesse carro,
estará Silvio Baccarelli, o primeiro grande mestre
de Adriano. "A minha maior dívida na vida é
com o maestro."
Não é sempre, afinal,
que alguém resolve fazer uma orquestra sinfônica
numa favela. "Achavam que eu estava louco", conta
Baccarelli. A decisão ocorreu quando ele viu, pela
televisão, um incêndio em Heliópolis e
sentiu vontade de fazer alguma coisa. Ele próprio viveu,
ali, uma história de superação -e não
só por ter feito uma orquestra naquele improvável
cenário. Durante um período, Baccarelli sofreu
de uma profunda depressão, ocasionada por questões
de saúde. "A única coisa que me animava
a tentar sair da cama eram os meninos da orquestra me esperando."
Ao lado de Baccarelli, vai estar,
no carro alegórico, Adriano, seu aluno que foi mais
longe -e que ainda não sabe o que seria mais inesperado
na sua vida: tocar no Carnegie Hall ou ser homenageado no
sambódromo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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