É
consenso que a fragmentação de dinheiro público
é sinônimo de baixa eficiência e desperdício
Imagine a Embraer, a Vale, a Petrobras e a Microsoft juntas
num único espaço fazendo invenções
com centenas de cientistas formados nas melhores faculdades
e centros de pesquisa do mundo. Imagine também as invenções
transformadas rapidamente em muito dinheiro na forma de peças
para aviação, softwares, sondas com materiais
mais resistentes para perfuração de petróleo,
novos sistemas de geração de energia e até
produtos de biotecnologia.
É exatamente o que está se concentrando num
terreno de 1 milhão de metros quadrados -pouco menor
que o do parque Ibirapuera- em São José dos
Campos (91 km de São Paulo).
A dimensão do projeto pode ser sentida pelo anúncio,
na semana passada, da Universidade Federal de São Paulo,
de que vai instalar ali um campus para aproximar pesquisadores
da área de biologia de engenheiros do ITA (Instituto
Tecnológico de Aeronáutica), de olho no próspero
campo da biotecnologia. Por trás dessa invenção
de parcerias para pesquisas tão complexas, começa
a surgir uma nova habilidade: aquela do administrador de arranjos
sociais.
Tudo começa porque a Prefeitura de São José
dos Campos comprou um terreno onde havia uma fábrica
abandonada e saiu à procura de empresas e cientistas
para montar um parque tecnológico. Obteve a adesão
imediata de duas marcas carimbadas da cidade. Interessada
na produção de novos materiais para seus aviões,
a Embraer resolveu se instalar no prédio com engenheiros
designados pelo ITA.
Com o tempo, foram se juntando as mais diversas entidades
federais, estaduais e municipais para a inovação
tecnológica, do BNDES ao IPT, para financiar a pesquisa,
preparar mão-de-obra qualificada e transformar as invenções
em produtos. Para acompanhar essa sofisticação,
porém, a cidade vê-se obrigada a aprimorar o
ensino público, especialmente na área de ciências.
É essa montagem de redes tão complexas que
vai gerando nova habilidade profissional e demanda de sistematização
de conhecimento. Formação de redes é
matéria obrigatória nas aulas sobre terceiro
setor e políticas públicas. Na semana passada,
a Unicamp lançou um curso batizado de "arquitetura
comunitária", aberto a qualquer graduado, destinado
a formar gestores capazes de criar elos, na cidade, a começar
do bairro, entre profissionais de saúde, educação,
cultura, assistência social, patrimônio histórico,
geração de renda, lazer e esporte.
É consenso que a fragmentação de dinheiro
público é sinônimo de baixa eficiência
e de desperdício, tamanha é a superposição
de ações e a falta de foco. Falar é fácil,
difícil é resolver o problema justamente pela
falta de especialistas em montagem de redes.
Essa complexidade poderia ser vista, na semana passada, num
encontro em Brasília, no qual se reuniram representantes
de oito ministérios e gestores educacionais de diversas
cidades brasileiras. O governo federal articulando, desde
o ano passado, a união de seus programas em torno das
escolas metropolitanas para, ao mesmo tempo, ampliar a oferta
educacional aos alunos e propiciar aumento da jornada. Programas
de xadrez, computação e basquete, entre centenas
de outros, bancados com verbas federais, formariam uma malha
oferecida como prolongamento das escolas.
O problema é que as centenas de programas federais
devem se articular com os estaduais e municipais. Levem-se
em conta a interrupção de políticas públicas
por causa de mudanças de ministros ou secretários,
a dificuldade de acertos entre diversos níveis de governo
(e mesmo dentro de um mesmo governo), além da baixa
qualificação de servidores públicos,
em especial nos municípios, para se ter uma idéia
dos obstáculos.
Aquele mesmo encontro, em Brasília, mostrou, entretanto,
com casos concretos, que, quando se consegue superar ou amenizar
tais barreiras, se gasta menos e se produz mais. Consegue-se
com pouco dinheiro oferecer ampliação da jornada
escolar e atividades extracurriculares. Apenas juntando educação
e saúde há redução expressiva
dos alunos com dificuldades de aprendizagem.
Além do debate que colocou em atrito o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e a Justiça sobre projetos
em anos eleitorais, o programa federal lançado na semana
passada, chamado Territórios da Cidadania, de focar
nas cidades mais pobres recursos dispersos nos ministérios
depende mais da engenhosidade local que da vontade de Brasília.
Como mostra a experiência de São José
dos Campos, a gestão desses arranjos significa dinheiro
no bolso. Lá, a prefeitura gastou R$ 30 milhões
para a compra do terreno. Os investimentos previstos no parque
tecnológico, bancados pelas empresas, são de
R$ 350 milhões, sem contar os impostos com a atração
e a criação de novas empresas.
PS - Coloquei no site
o detalhamento da experiência de São José
dos Campos. É simplesmente inacreditável que
a cidade de São Paulo, que tem uma das mais renomadas
universidades do mundo, não tenha seu parque tecnológico
voltado aos serviços.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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