"É
uma tremenda contradição; dar voz no filme aos
invisíveis, mas não permitir que vejam seu bairro
na tela", diz Caio Blat
O ator Caio Blat comprou um fusca, começou a ir a shows
de rap, assistiu a cultos evangélicos e até
alugou uma casa na periferia para tentar entender como um
jovem da periferia é seduzido pelo crime. O cenário
dessa imersão de seis meses, concluída no final
de fevereiro passado, foi o Capão Redondo, na zona
sul, um dos símbolos da violência paulistana.
"Descobri um outro planeta", conta o ator, morador
da avenida Paulista. "Nunca tinha vivenciado com tamanha
profundidade o desalento dos jovens."
Testemunhar os mecanismos desse desalento, gente sem roteiro
na vida, ajudou Caio, um paulistano de 27 anos, que cursou
direito no Largo São Francisco, a desempenhar o personagem
Macu no filme "Bróder!". Para ganhar dinheiro
rapidamente, Macu planeja um seqüestro.
"Quando entramos nesse mundo de jovens desorientados,
sentimos na pele o efeito da falta de oportunidade",
diz ele.
Pelo menos naquele filme, alguns habitantes do Capão
Redondo tiveram oportunidade de deixar sua marca. A trilha
sonora foi feita pelos Racionais MCs; os diálogos foram
escritos pelo escritor Ferréz, que, por ter uma grife,
participou da elaboração dos figurinos. Moradores
entraram como figurantes ou se tornaram membros da equipe
de produção. Um dos principais personagens (Napão)
é o Bronx, um rapper local. "O Capão foi
tomando conta das gravações."
Na sua imersão, visitando famílias, Caio chegou
a conhecer um jovem que parecia tirado de seu roteiro. "De
repente, estava na frente -ouvindo e tocando- do personagem
que eu queria representar."
Caio sabia que o Capão Redondo não teria a oportunidade
nem mesmo de assistir ao filme no cinema e seria levado a
comprar cópias piratas. "É uma tremenda
contradição dar voz no filme aos invisíveis,
mas não permitir que vejam seu bairro na tela."
Em suma, o filme seria rodado na periferia, mas visto na avenida
Paulista por pessoas que, como o ator, estão longe
do cotidiano dos marginalizados.
A primeira decisão foi lançar "Bróder!"
no shopping mais próximo daquele bairro -e, a partir
disso, tentar realizar sessões gratuitas ou com ingresso
popular. Menos de 1% dos moradores da periferia freqüentam
salas de cinema.
Daquela imersão, o ator trouxe uma experiência
de Mano Brown, líder do grupo Racionais MCs, para evitar
as cópias piratas. "Como faz seus próprios
CDs e cobra um preço popular, o Mano não sofre
com a pirataria." Os fãs preferem ficar na legalidade
a deixar o dinheiro com atravessadores clandestinos.
Pretende-se, agora, fazer uma cópia do filme com valor
semelhante à pirata e, assim, o Capão Redondo
estaria ajudando a reescrever a história, tão
comum, do crime contra a propriedade intelectual.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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