A beleza
dos mestres da pintura vai ajudar os alunos a ver com outros
olhos a feiúra do Tietê dentro da cidade de SP
UM GRUPO DE 21 JOVENS da favela de Paraisópolis começou
a percorrer, neste mês, o rio Tietê para levá-lo
para bem longe de São Paulo -mais precisamente até
o Tâmisa, o rio que passa por Londres. "A descoberta
do Tietê está virando uma aventura", afirma
a professora de artes plásticas Márcia Anaf,
coordenadora da expedição.
É uma aventura que passa pela China, pela África
do Sul, pelo Egito e pela Inglaterra, onde, ao mesmo tempo
em que o grupo de Paraisópolis descobre o Tietê,
jovens daqueles países aprendem sobre os rios que cortam
suas cidades -os estudantes do Cairo, por exemplo, pesquisam
sobre o Nilo.
Formada em matemática com especialização
em design industrial, Márcia Anaf, professora da Faap,
dá aula de artes na Escola da Comunidade, na qual quase
todos os alunos são moradores da favela de Paraisópolis
-essa escola é gratuita, mantida pelo Colégio
Visconde de Porto Seguro.
O governo britânico convidou a escola a entrar nesse
projeto, batizado de "Rios do mundo", e estabeleceu
o desafio: o aprendizado deveria se converter numa peça
de arte, a ser exposta no Festival do Tâmisa, em setembro,
quando, durante dois dias, ocorrem as mais diversas apresentações
culturais, tudo às margens do Tâmisa.
A partir da internet, forma-se uma rede hidrográfica
virtual, unindo esses jovens espalhados pelo mundo, cada qual
trocando suas descobertas -os rios devem servir de canal para
que se discutam questões ecológicas, sociais
e econômicas. "O que vamos fazer, depois, é
tornar essa experiência um projeto coletivo de arte,
a ser exposto em gigantescos painéis." O governo
britânico está oferecendo também a ajuda
de arte-educadores do Masp. Na aula prevista para hoje, os
estudantes iriam ser apresentados a reproduções
das telas de Van Gogh, Turner e Monet para ver como pintaram
paisagens da natureza, especialmente os rios. Ainda neste
mês, serão também apresentadas as marinhas
do brasileiro José Pancetti.
"A sujeira do rio será o pretexto para que os
alunos viajem pela beleza dos mestres da pintura."
Mas a proposta dela é que, além de fazerem associações
com as mais diferentes matérias como história,
geografia e ciências, os alunos sejam estimulados em
sua criatividade.
Por isso, as aulas vão tirar proveito do próximo
projeto do artista plástico Eduardo Srur, que planeja
colocar nas margens do Tietê imensas garrafas plásticas
coloridas. Há alguns meses, Srur, que tem o hábito
de fazer da cidade o cenário de suas obras, colocou,
no rio, bonecos remando em canoas.
A beleza dos mestres da pintura vai ajudá-los a ver
com outros olhos a feiúra do Tietê dentro da
cidade de São Paulo. Uma feiúra que ressalta
em comparação com o Tâmisa, agora limpo.
Tão limpo que, há pouco tempo, uma baleia entrou
em suas águas.
A decepção estética não vai estragar
essa troca de imagens em que o Tietê vai até
Londres -e Van Gogh até Paraisópolis.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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