Ao visitar as celas da prisão,
o operário Sérgio da Costa Almeida ficou especialmente
intrigado com as imagens do nascer do sol desenhadas nas paredes
sujas.
Daquelas imagens tirou a inspiração para sua
primeira e até agora única obra de arte. "É
estranha essa coisa de inspiração. Vai nascendo
sabe lá de onde e, de repente, está bem na nossa
frente."
Migrante de Tutóia, uma cidade do interior do Maranhão,
Sérgio mora há apenas dois meses em São
Paulo e trabalha numa reforma do presídio feminino
do Carandiru. Virou então uma espécie de cobaia
de uma experiência intitulada "Mestres de Obra",
na qual operários são convidados, fora do horário
de serviço, a fazer arte com restos da construção.
Guiados por um arte-educador, os operários conheceram
as celas e discutiram em grupo as impressões que retiveram
daquela incursão. Depois, foram apresentados a diferentes
formas de expressão com material reciclado. "Não
entendia direito por que aqueles desenhos do nascer do sol
tinham chamado tanto a minha atenção."
Nas discussões em grupo, ia sentindo, aos poucos, a
relação entre a luz, representada pela alvorada,
e a liberdade.
Os presos, afinal, têm um horário rígido
para tomar sol e, depois, voltam para a cela, trancados entre
a alvorada e o crepúsculo. "Os corpos estão
presos, mas a mente deles está solta, livre, imaginando
o que bem entender." Concluiu que era isso.
Escolhido o assunto -a relação entre a luz e
a liberdade-, Sérgio começou a garimpar o material
descartado da obra. Escolheu uma espessa tela que entremeava
as grades de uma cela. Cortou-a em pedaços e transformou-a
numa espécie de caixa, na qual instalou uma lâmpada.
Viu à sua frente surgir uma luminária. Apesar
de presa, cercada pela tela, a luz consegue escapar, como
a mente do habitante da cela que desenhou o nascer do sol.
"Não sabia que podia criar uma peça de
arte. É a minha grande descoberta nesta cidade."
Talvez estivesse retratando não só as dores
de um preso mas, quem sabe, a vivência do migrante recém-chegado
do Maranhão, sem amigos nem família, obrigado
a morar numa cidade-dormitório nas redondezas de São
Paulo. Juntam-se, nessa experiência, assim como na luminária,
liberdade e prisão.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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