Há
todo um esforço fragmentado de intolerância à
idéia de que o colapso urbano é irreversível
Um grupo de 19 adolescentes da cidade de São Paulo
se propôs a uma aventura que supera muito em complexidade
qualquer prova escolar, mesmo eles estudando num colégio
(Santa Cruz) apontado entre os melhores do país, segundo
os testes nacionais.
A complexidade supera até os mais concorridos vestibulares.
Desde o início deste mês, aqueles jovens começaram
a ensinar voluntariamente numa escola pública, como
monitores de professores.
Eles estão sendo orientados sobre o funcionamento de
uma escola pública, o significado de indicadores de
aprendizado, didática e, ainda, os fatores sociais
que interferem no aprendizado. Com base nisso, será
possível avaliar o impacto de uma intervenção.
Ao mesmo tempo em que tentam fazer a diferença, esses
jovens mestres vivenciam a realidade, sistematizam o conhecimento
e desenvolvem habilidade de gestão, treinando o desenvolvimento
de projetos na adversidade -em poucas palavras, estão
mais do que preparados para as demandas do mercado de trabalho.
Saber quantos conseguirão resistir é um suspense
que encheria de audiência um "reality show".
Com esse desafio, os jovens mestres sintetizam a mais interessante
aventura paulistana: a reconquista de uma cidade, com a descoberta
de fronteiras.
Em reação ao colapso urbano, com a sua sensação
contínua de medo e insegurança, dissemina-se
um movimento de retomada da cidade desintegrada socialmente.
A deterioração do espaço público,
a começar pelas escolas, era apenas o lado visível
da desintegração, marcada pelos muros e pelo
medo.
Há todo um esforço fragmentado, quase imperceptível,
de resistência, de intolerância à idéia
de que o colapso é irreversível. É, em
essência, uma luta pela sobrevivência. Neste fim
de semana, porém, observa-se, embora de forma passageira,
a retomada de uma cidade.
Cerca de 5.000 artistas promovem, durante 24 horas, 800 eventos,
especialmente na região central, misturando todos os
gêneros. A arte faz com que, momentaneamente, o pedestre
vença os carros; a criatividade enclausurada faz da
rua seu principal palco. A poucos metros dos shows, ocorre
um dos mais importantes eventos do mundo dos esportes radicais
(X-Games), numa combinação de esporte e cultura.
Para completar, vieram a São Paulo pessoas de todas
as partes do mundo interessadas em transformar as cidades
em escolas sem salas de aula -encerra-se, neste fim de semana,
o Congresso Mundial de Cidades Educadoras, cuja sede, neste
ano, foi São Paulo, por causa de experiências
de escolas integradas a espaços culturais em sua região
histórica.
O movimento espacial reflete uma mudança emocional.
Começa a crescer a sensação de que a
guerra não está perdida. Essa percepção
ocorre quando o Datafolha informa que, nesta cidade viciada
em carros, a imensa maioria das pessoas pede mais e melhor
transporte público, aceita mais restrições
ao transporte individual e apóia em peso decisões
polêmicas, como a de inibir a circulação
de caminhões.
Também se nota mudança de mentalidade quando
os eleitores, em sua maioria -mais uma vez segundo o Datafolha-,
informam que vão tirar o voto de seu candidato à
prefeitura se estiverem convencidos de que ele vai fazer da
eleição um trampolim.
Apostava-se que não se imporia a lei da despoluição
visual, mas a opinião pública apoiou a retirada
dos outdoors; não fosse esse apoio, ninguém
conseguiria brigar com os empresários.
Por coincidência, justamente na semana em que aqui
se retomam as ruas, foi divulgado o mais sofisticado documento
para fiscalizar uma cidade. Apoiado pela elite econômica,
social, cultural e comunitária, o movimento "Nossa
São Paulo" lançou, na quinta-feira, diversos
indicadores de cada região da cidade. Os dados vão
desde a gravidez precoce até a violência contra
as crianças, passando pela habitação
e pelo desemprego -pela primeira vez será possível
medir, com alguma precisão, a evolução
da qualidade de vida.
Apesar de todos esses esforços, ainda estamos tão
longe de construir uma cidade civilizada como aqueles jovens
mestres de criar uma escola pública comparável
a um colégio de elite. Mas, pelo menos, já há
abundantes elementos para que toda essa movimentação
seja vista como uma aventura e não como uma bravata.
PS- Até esse momento, a sucessão municipal
mostra que os políticos não estão nem
remotamente próximos da grandeza dessa aventura. O
assunto de que mais se ouve falar é o impacto do pleito
na sucessão estadual ou presidencial -e pouco se ouve
sobre os planos para a cidade. |