A chance
de um marceneiro dar aula num mestrado de arquitetura abre
debate sobre méritos e talento
A partir de agora, para você ganhar um título
de mestre não será mais necessário entregar
aquelas gigantescas dissertações, repletas de
citações, rodapés, tudo isso embrulhado
na hermética linguagem universitária.
Basta um produto: música, pintura, reportagem, software
ou artigo. Muitos de seus professores não ostentarão
títulos acadêmicos, alguns deles talvez nem mesmo
tenham diploma de ensino superior. Mas, necessariamente, precisa
demonstrar reconhecida experiência no mercado de trabalho.
Essa é a consequência de uma portaria anunciada
na semana passada, propondo uma nova avaliação
para os mestrados profissionalizantes, destinados a pessoas
que não querem dar aula nem fazer pesquisa, mas se
aprimorar na sua profissão. A residência médica
ou um MBA, por exemplo, já valeriam o mestrado.
O ministro Fernando Haddad me diz que, com essas mudanças,
será mais fácil colocar nas universidades os
talentos do mercado de trabalho, compartilhando sua experiência
com os alunos. ""É exatamente o que muitos
estudantes esperam de seus cursos, depois que terminam a graduação",
explica.
A chance de um sofisticado marceneiro, com seu diploma de
ensino médio, dar aula num mestrado de arquitetura
de uma USP indica que estamos metidos num interessante debate
sobre méritos e talentos.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, voltou
a sinalizar, na semana passada, que, além do jornalismo,
mais diplomas poderão deixar de ser obrigatórios
-arquitetura, administração, educação,
economia, e por aí vai.
Se um advogado, devidamente treinado em comunicação,
pode trabalhar em jornal, por que um aluno de engenharia não
poderia dar aula de física ou matemática numa
escola pública? Bastaria que tivesse uma ajuda para
saber transmitir seu conhecimento.
Para melhorar as escolas públicas, a cidade de Nova
York chama os talentos da sociedade e oferece um curso de
didática em apoio -são mandados para os piores
lugares. Os resultados são bons, claro. Os alunos gostam
de professores que adoram fazer coisas, sejam elas quais forem.
Esse tipo de questionamento pode parecer estranho agora num
país elitista dominado por cartórios e corporações.
Mas é apenas consequência da velocidade do conhecimento.
Essa velocidade se traduziu na quinta-feira com a morte de
Michael Jackson: quem deu primeiro a notícia foi um
site de celebridades (TMZ).
O debate sobre o mérito profissional e acadêmico
aparece das mais diversas formas -e ocorre, em boa parte,
porque estamos buscando novas formas de medir eficiência,
uma das novidades (embora engatinhando) da administração
pública no Brasil.
Na semana passada, a Assembleia Legislativa de São
Paulo aprovou projeto para contratação de professores.
Mas, depois de passar no concurso, terão de fazer um
curso. Docentes temporários terão de se submeter
a provas -assim como os dirigentes regionais de ensino. Só
puderam criar bônus de desempenho para professor porque
existem indicadores (trágicos, diga-se) sobre os alunos.
Centros de saúde e hospitais públicos tocados
por entidades filantrópicas apanharam de todos os lados,
especialmente dos sindicatos e grupos ligados ao PT. Diante
dos resultados positivos, inquestionáveis pelos números,
o governo federal, comandado pelo PT, chamou algumas dessas
organizações para ajudar na gestão de
mais hospitais públicos pelo país.
Sabemos que os alunos do ProUni têm desempenho melhor
que os alunos regulares; é o que já constamos
com os cotistas das universidades. Os números desmontam
assim bobagens sobre o risco desses jovens piorarem a vida
acadêmica. É o contrário.
Estão mudando os critérios para entrada no vestibular
porque se considera que o mérito não está
em decorar informações, mas desenvolver uma
rede de habilidades e competências; premia-se quem aprende
a aprender. O mercado premia quem aprende a fazer.
Essas mudanças são resultado previsível
das sociedades democráticas em que se exige mais transparência,
todos têm de dar conta de seus atos e, portanto, são
mais avaliados e fiscalizados -e aí vai dos familiares
de Sarney, no Senado, aos professores, montados em seus títulos.
Não é à toa que, cada vez com mais intensidade,
a sociedade olha desconfiada os privilégios das corporações,
seja de políticos, seja de professores, seja de jornalistas.
A recente greve da USP se desmoralizou porque uma das suas
principais causas era a readmissão de um funcionário
que teria sido demitido por justa causa em qualquer empresa;
daí a novidade de alunos se rebelarem contra a greve.
PS- É um movimento mais rápido
do que se imagina. É por isso que José Sarney,
acostumado a ver há tanto tempo aquelas mamatas do
Congresso, não poderia imaginar que uma bomba explodiria
em seu colo -a tal ponto que, na semana passada, cresceu a
pressão por sua renúncia. Não é
o Senado que piorou, mas a fiscalização que
melhorou.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|