Uma pequena localidade, a
apenas 38 quilômetros da capital paulista, transformou-se
num grande canteiro de obras. Na contramão do caminho
trilhado por outras cidades, em Santana de Parnaíba
– com aproximadamente 80 mil habitantes – o que
se vê não é a construção
de grandes arranha-céus e sim a reconstrução
de uma história que estava sendo perdida.
Ao juntar a necessidade de preservar
o patrimônio histórico do lugar com a ausência
de mão-de-obra qualificada e um grande número
de jovens precisando ingressar no mercado de trabalho, a prefeitura
de Santana de Parnaíba criou o projeto Oficina-Escola
de Artes e Ofícios. E, desde 1999, quando o programa
surgiu, 47 adolescentes foram inseridos no mercado formal
de trabalho.
Jovens restauradores têm
certificado do Senai
O projeto qualifica jovens entre 16 e 21 anos, de famílias
de baixa renda, ao lhes proporcionar formação
profissionalizante para a restauração e conservação
de patrimônio histórico e cultural. Ao mesmo
tempo, os 209 imóveis do Centro Histórico da
cidade, construídos em sua maioria no século
19, agora são conservados.
Nos primeiros seis meses, os adolescentes
passam por todas as oficinas e a coordenação
pedagógica analisa quais são os mais aptos para
o trabalho. Após a triagem, os alunos são encaminhados
para diferentes postos.
“Todo o processo de formação
está previsto para durar dois anos, mas os alunos se
aplicam tanto que geralmente não chegam a isso. Em
um ano e meio, eles já são considerados contramestres”,
explica o restaurador Turinã Alves Inácio, diretor
de Memória e Patrimônio de Santana de Parnaíba.
Para ser considerado contramestre,
é preciso ter uma certificação fornecida
pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
A partir de avaliações sobre a restauração
concluída e o acompanhamento feito durante a aprendizagem,
o Senai expede um certificado garantindo a expertise do jovem.
Por estarem efetivamente trabalhando,
os alunos recebem todo mês uma bolsa-incentivo de R$
70 por quatro horas de trabalho diárias, cumpridas
em turno diferente do escolar, além de alimentação
e uniforme. Entre os 93 jovens formados, 69 já receberam
seus certificados e os 47 que estão no mercado de trabalho
formal atuam nas áreas de prestação de
serviços, construção civil, indústria
e também como servidores públicos.
A formação que eles
recebem pode ser em alvenaria, pintura, recomposição
de fachadas, restauração de papel, fotografias,
marcenaria ou carpintaria. Os alunos aprendem também
os sistemas modernos, para terem mais condições
de serem incluídos no mercado de trabalho.
Restauração leva
turismo a Santana de Parnaíba
Os jovens em formação ajudaram a recuperar
o valor da cidade para cada um de seus habitantes. “A
satisfação da comunidade hoje é ser guardiã
do bem dela. Ouço depoimentos de pessoas que queriam
vender suas casas para construtoras levantarem prédios
no lugar e agora sabem que o imóvel foi valorizado”,
afirma Turinã Inácio.
Turinã é mestre artesão
em restauração e mudou-se de Ouro Preto, em
Minas Gerais, para Santana de Parnaíba em 1999, para
lecionar na Oficina-Escola. Ele observa que nesses cinco anos
a cidade mudou muito em função do trabalho dos
jovens aprendizes. “Quando cheguei, não tinha
aonde ir para jantar e nem havia opções de lazer.
Hoje, tem bons restaurantes, lojas, e feira de artesanato
na praça aos domingos”, enumera o restaurador,
que afirma ter ficado impressionado ao descobrir ”uma
jóia do lado de São Paulo”.
A cidade pertence à grande
São Paulo, o que facilita o acesso de turistas. Um
dos municípios mais antigos do Brasil, Santana de Parnaíba
tem 421 anos e abriga o maior conjunto arquitetônico
sob proteção do estado de São Paulo.
São casas térreas e sobrados que formam um verdadeiro
laboratório. Seu Centro Histórico foi tombado
em 1982 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,
Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT).
A própria casa onde Turinã
trabalha foi instrumento de aprendizado para os jovens. Com
sua arquitetura colonial, do século 18, ela se diferencia
por ter recebido todos os métodos de construção
conhecidos na época, além de uma grande diversidade
de materiais.
A casa era uma propriedade privada
e seria transformada em oficina mecânica. Em 1999, ela
corria risco de ruína total por causa das várias
fissuras nas paredes. No entanto, por seu valor histórico
e arquitetônico, o imóvel foi desapropriado e
os adolescentes fizeram o trabalho de restauro. “Em
termos de técnicas de sistema construtivo, eles aprenderam
de tudo nesta casa”, lembra Turinã, que coordenou
os trabalhos.
Uma grande corrente
O projeto Oficina-Escola de Artes e Ofícios é
uma grande corrente, formada por elos representados pelas
cidades conveniadas. Santana de Parnaíba é o
centro de referência do projeto no Sudeste. Outras prefeituras
que têm interesse em desenvolver o mesmo trabalho fazem
solicitações a Santana, que leva seus contramestres
e mestres para transferirem os conhecimentos aos jovens da
região. Isso já aconteceu com Jacareí,
São Luís do Paraitinga, Jundiaí e Jandira,
no interior do estado, além da cidade de São
Paulo. A próxima será Guarulhos, na região
metropolitana da capital.
Turinã destaca que, normalmente,
quando se fala em construção civil, imagina-se
profissionais do sexo masculino, mas, na Oficina-Escola, entre
30 e 40% são mulheres. “Muitas já estão
transferindo conhecimento para jovens de outras regiões”,
orgulha-se ele. “A característica do projeto
é não ter diferenciação”,
afirma o mestre. O único requisito para que o aluno
participe é estar matriculado em escola regular.
Além da preocupação
com a inserção no mercado de trabalho, o projeto
visa à inclusão social. Os alunos recebem atendimento
à saúde, acompanhamento psicológico e
pedagógico e auxílio para terem seus documentos.
“Eles têm que se sentir cidadãos”,
afirma Turinã.
O que se tem visto por lá
é exatamente isso. “Eles conquistaram a confiança
da comunidade e a população tem consciência
de que ganha dinheiro por causa deles. Então eles são
chamados para fazer serviços nas casas, recebem bolsas
de estudo em escolas de informática, por exemplo, e
muitos estão no mercado formal de trabalho”,
comemora Turinã.
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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