Manhã de segunda-feira na
fábrica de móveis Zanzini, em Dois Córregos,
no interior de São Paulo. Entre os funcionários
que chegam para trabalhar, boa parte carrega sacos cheios
de lixo até um galpão da empresa. No mês
passado, a auxiliar de sistemas de gestão Alessandra
Furlaneto, de 25 anos de idade, chegou a tirar 14 sacos do
porta-malas do carro num dia. Para alcançar essa marca,
ela recorreu não só à lixeira de sua
casa mas também à de sua mãe, da irmã,
da tia e até da sogra. O estimulo para tamanho empenho
é grande: uma bolsa de estudo. Na empresa, esse material
é separado em três coletores: papel, plástico
ou metal (os vidros não são recolhidos pela
dificuldade de manuseá-los). Em seguida, o lixo é
prensado para ser vendido a empresas de reciclagem da região.
A iniciativa de Alessandra e dos outros funcionários
é parte do projeto Reciclo, organizado desde 2001 pela
Zanzini para conscientizar toda a população
da cidade, de cerca de 25 mil habitantes, sobre a importância
de dar um destino correto ao lixo e preservar o meio ambiente.
A idéia surgiu quando a empresa passou a desenvolver,
sob a orientação do Sebrae, um programa de qualidade
total que despertou uma reflexão sobre o impacto da
operação no meio ambiente. “Ali começamos
a nos preocupar com o destino do papelão e do plástico
que não aproveitávamos”, diz Denise Zanzini
Torrano, diretora de qualidade da fábrica. “Pregar
o cuidado com a natureza é ainda mais importante numa
cidade como a nossa, que faz parte de uma região de
ecoturismo.” O material descartado na produção,
como papel, plástico e fios, passou a ser separado
para ser vendido.
O passo seguinte foi ampliar a coleta para o lixo doméstico,
mobilizando não só a empresa mas também
crianças e adolescentes. Para isso, diretores e coordenadores
de escola foram convidados a participar de um treinamento.
“A única forma de garantir longa vida à
nossa ação é formar nas gerações
futuras essa cultura de preservação”,
avalia Denise. Hoje, além dos funcionários,
mais de três mil alunos de oito escolas da cidade participam
da coleta seletiva. Treze lojistas também contribuem
com o projeto, vendendo à Zanzini, por quantias simbólicas,
o lixo que produzem.
Em três anos e meio, 560 toneladas foram arrecadadas
pelo projeto – só de papel, foram 366. Com a
reciclagem, deixaram de ser consumidos 4,38 hectares de terra,
poupando nada menos que 7.330 árvores. Resultados como
esse renderam à Zanzini o Prêmio de Tecnologia
Social na categoria empresa, oferecido pela Fundação
Banco do Brasil a cada dois anos. Com os R$ 50 mil da premiação,
a fábrica comprou equipamentos – uma prensa para
embalar o material, coletores para o lixo reciclável
e um caminhão para o seu transporte – e fez reformas
no espaço que recebe o lixo, cimentando o piso e construindo
um teto para o galpão.
Para motivar os funcionários para a coleta seletiva,
a Zanzini passou a oferecer bolsas de estudo – em cursos
de graduação, pós-graduação,
profissionalizantes, idiomas ou informática –
pagas com o dinheiro obtido na venda do lixo prensado (em
média, essa receita extra é de R$ 4,5 mil por
mês). Essas bolsas já beneficiaram 79 funcionários.
É o caso de Alessandra Furlaneto, que há um
ano e meio voltou a freqüentar o curso de publicidade
que trancara por não conseguir pagar. Hoje, a Zanini
custeia 60% da mensalidade.
A fábrica ganha de duas maneiras com essa medida:
com a capacitação de seu quadro de pessoal e
com a sua maior motivação. É o que atesta
o supervisor de projetos Hilton Roberto Santasso, que pôde
se matricular em uma faculdade de desenho industrial no ano
passado. “A empresa paga 80% do meu curso. Para mim,
a bolsa é um grande incentivo para trabalhar aqui”,
diz Santasso, que está na Zanzini há 13 anos.
“Mas o mais interessante é que o projeto beneficia
toda a comunidade.”
Nas escolas, o volume de lixo recolhido não pára
de crescer: de janeiro a junho, 26 toneladas já haviam
sido arrecadadas (em todo o ano passado, foram 46 toneladas).
“Aprendi que é importante separar o lixo para
preservar a natureza e deixar a cidade limpa”, diz Renato
Teixeira, de 11 anos, aluno da 5a série do ensino fundamental
na Escola Municipal Oscar Nova Costa. Segundo ele, a distribuição
de brindes – como bonés, camisetas e material
escolar – entre os que mais coletam é uma motivação
secundária: “Faço a coleta pelo prazer
de ajudar a limpar o planeta.”
Ele e os colegas assistem a palestras e apresentações
teatrais de funcionários que a Zanini libera para ensinarem
educação ambiental às crianças.
Segundo a empresa, desde 2001 eles já cederam 8.120
horas de trabalho nessas atividades. Em casa, o engajamento
das crianças tem tirado o sossego dos pais. “Já
ouvi pais se queixando que agora têm que separar todo
o lixo, pois os filhos não dão trégua”,
diz Denise. “Se eles jogam um papel de bala no chão,
são censurados na mesma hora.”
Atualmente, a preocupação com a reciclagem
do lixo está longe de ser uma exclusividade de Dois
Córregos. No Brasil, a reciclagem se difundiu muito
em relação a latas de alumínio (87% delas
passam por este processo), mas, em comparação
com outros países, continua restrita para materiais
como plásticos, papel e papelão. Enquanto os
brasileiros reciclam apenas 17,5% dos plásticos que
consomem, na Bélgica e na Alemanha a reciclagem atinge
os patamares de 28,5% e 60%, respectivamente. Quanto ao destino
do papel e do papelão, 43,9% são reciclados
aqui – bem menos que nos Estados Unidos (55%) e no México
(60%). Com o projeto Reciclo, os moradores de Dois Córregos
estão dando sua contribuição para a redução
dessas diferenças.
As informações são
da Fundação Banco do Brasil.
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