|
Vanessa Sayuri Nakasato
O futebol que já deixou milhares
de meninos e meninas longe da violência também
é capaz de recuperar aqueles que se envolveram no mundo
do crime. Pelo menos foi isso que mostrou o Futebol Libertário,
um projeto desenvolvido pelo Centro de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca)
que, em setembro, reinseriu na sociedade 18 dos 20 adolescentes
da turma piloto. A proposta do trabalho é a reeducação
de jovens em Liberdade Assistida (L.A.) por meio do esporte.
A L.A. é uma das seis medidas
sócio-educativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) para recuperar jovens com até
21 anos de idade que cometeram algum ato infracional. Atualmente,
há 13 mil adolescentes em L.A. só no Estado
de São Paulo, segundo a Fundação Estadual
para o Bem-Estar do Menor (Febem). Cerca de 3 .500 deles estão
na capital.
É a primeira vez que o futebol
é utilizado como medida sócio-educativa no país.
A experiência é fruto da tese de especialização
de Fábio Silvestre Silva, pós-graduando em Psicologia
do Esporte e coordenador do projeto de L.A. do Cedeca Interlagos,
em São Paulo.
Entre março e agosto deste
ano, os 20 adolescentes, entre meninos e meninas, compareceram
uma vez por semana a um dos campos de futebol do Sesc Interlagos,
parceiro do Cedeca. Durante os cinco meses, Fábio usou
o esporte para trabalhar os anseios, expectativas, medos,
revoltas e, principalmente, a auto-estima desses jovens. Para
ele, os resultados foram mais do que satisfatórios.
Foram surpreendentes.
Fábio conta que os adolescentes
chegaram ao Cedeca humilhados. Não tratavam os adultos
pelo nome, sempre os chamavam de senhor ou senhora, e não
olhavam diretamente nos olhos de ninguém. Caso fossem
chamados por seus respectivos nomes, se assustavam, já
que, na Febem, não passavam de um número. Hoje,
o diálogo flui, possuem auto-confiança e conseguem
se expressar sempre que necessário.
No jogo de futebol, os adolescentes
não aprenderam apenas a jogar bola. De acordo com Fábio,
esse foi o item menos relevante. Ele explica que a idéia
foi pegar situações de jogo e transferir para
o cotidiano de cada um. Por exemplo, alguém que tentou
resolver sozinho uma jogada. E na vida, como é pensar
e executar algo sem a ajuda de ninguém? Qual é
o êxito disso? Qual a importância do outro no
dia-a-dia?
Segundo o psicólogo, essa transposição
surtiu efeito já nas primeiras semanas. Os adolescentes
passaram a entender como é viver em grupo, quem é
e como é ser líder, como é fazer uma
mobilização social e como isso pode ser revertido
em suas comunidades. "Trabalhamos para que eles pudessem
sair do projeto como atores de suas próprias vidas.
É o que chamamos aqui de protagonismo", ressaltou
Fábio.
Além do prazer em praticar
o esporte, para Fábio, a chave dos saldos positivos
foi mexer com todas as emoções e frustrações
desses adolescentes. “Quando o emocional é mais
trabalhado do que o racional, a pessoa tende a responder melhor,
pois os sentimentos são as principais diretrizes do
homem. E na Febem, os garotos foram totalmente privados de
se expressar”, enfatizou.
O jovem C.H.T, 17 anos, confirma.
"Lá a gente apanhava por tudo e de todos. Apanhava
de madeira, de ferro, do que tivesse na mão. E se falasse,
chorasse ou reclamasse, apanhava mais ainda", relembrou.
Os pais dos 18 meninos recuperados
afirmam perceber grandes mudanças em seus filhos. Conforme
Fábio, o relato é sempre o depoimento sobre
a transformação do agressivo para o carinhoso,
do revoltado para o compreensível e do reservado para
o comunicativo. “Mas o mais gratificante de tudo isso
é que todos eles voltaram a estudar, trabalhar e, o
melhor, a ter sonhos”, orgulhou-se o idealizador do
projeto.
“Agora eu tenho sonhos. Quero
ser jogador de futebol. Mas se não der, quero conseguir,
pelo menos, sustentar a minha família. Se isso for
possível, já me considerarei uma pessoa feliz”,
disse D.C.O., 16 anos.
Graças à canalização
da agressividade, três dos adolescentes que participaram
do Futebol Libertário apresentam, este mês, suas
pinturas e grafites em uma exposição na Suíça.
As obras, que retratam a sensibilidade e a esperança,
foram desenvolvidas paralelamente em programas artísticos
do Cedeca.
Para Fábio, seu projeto é
a busca de uma forma alternativa de recuperar jovens infratores
e, apesar de ter concluído uma fase experimental, ele
acredita que pode servir de exemplo para a Febem. "A
atual política pedagógica da instituição
é a contenção, que inclui a tutela e
a agressão. Tudo o que os meninos não precisam",
enfatizou.
O projeto foi realizado com
o apoio total da iniciativa privada. No momento, Fábio
espera patrocínio para formar novos grupos e dar continuidade
ao Futebol Libertário.
|