Para
entender o comportamento da produção industrial
dos últimos meses, é preciso saber qual a diferença
entre marcha à ré, freada e desaceleração
(tirada de pé).
A produção industrial está perdendo
velocidade, mas não há elementos conclusivos
para afirmar que esteja dando marcha à ré. Ainda
assim, o mercado financeiro baqueou: a Bolsa arriou 1,95%
e os juros recuaram no mercado futuro, dando a entender que
a política do Banco Central afinal está mostrando
serviço.
Os números divulgados ontem pelo IBGE apontam uma
queda de 1,2% da produção industrial em fevereiro
em relação a janeiro, retração
maior do que a esperada. Em relação ao mês
anterior, foi a mais alta desde junho de 2003.
Esse número precisa ser bem medido. Em relação
a fevereiro do ano passado, houve aumento de produção
de 4,4% e o acumulado dos dois primeiros meses do ano em comparação
com o de 2004 mostra crescimento de 5,2%.
Fevereiro é mês mais curto e quase sempre, como
neste ano, tem carnaval, o que tende a provocar distorções.
Mesmo assim, a série estatística deixa transparecer
perda de velocidade da atividade industrial. É que
o desempenho de dezembro de 2004 sobre dezembro de 2003 havia
sido de crescimento de 6,1%. E o dos 12 meses terminados em
janeiro, por sua vez, tinha sido também bom, de crescimento
de 6,3%. Diante desses números, o avanço de
4,4% de fevereiro sobre fevereiro de 2004 mostra nítida
desaceleração.
A pergunta óbvia é se esse efeito não
tem a ver com a política de juros, em alta desde setembro,
num total de 325 pontos-base (de 16,0% ao ano a 19,25% ao
ano), uma enormidade.
Num aparente paradoxo, os segmentos que teoricamente mais
dependem dos juros, nos quais prevalece o crédito ao
consumidor, foram os que mostraram mais dinamismo. Em 12 meses
(até fevereiro), o setor de veículos cresceu
15,4% e o de material eletrônico, 20,4%. Os dados mais
recentes confirmam esse desempenho.
É que, nessas duas áreas, houve aumento do
crédito. O crédito consignado (desconto em folha)
cresceu mais de 100% em doze meses (terminados em fevereiro).
E isso aconteceu não porque os juros ficaram mais acessíveis,
mas porque, nessa faixa, a concorrência entre os bancos
aumentou e estes vêm concordando com ampliação
do número de prestações. Porque há
mais prazo para pagar o banco, o resultado é queda
da despesa mensal na compra de um produto financiado, mesmo
com juros mais altos. Em outras palavras, a prestação
passou a caber melhor no orçamento do consumidor e,
nessas condições, vai ajudando a azeitar as
vendas de produtos duráveis.
Outra faixa de produção que até parece
estimular-se com os juros altos é a das exportações.
Como foi apontado nesta coluna na última terça-feira,
o embarque de manufaturados, que pesam 53,4% no total exportado,
cresceu no último trimestre (março incluído)
nada menos que 39,7%. Mas as outras áreas, como a farmacêutica,
a de bebidas e a de alimentos, mostram mais o impacto dos
juros altos e do recuo da renda do consumidor. Aí,
a pisada no freio ficou muito mais nítida.
Esse lado ruim (retração de parte da indústria)
tem ao menos um lado bom: o de que já não há
mais a ameaça de inflação de demanda
(alta de preços por falta de mercadoria), que vinha
induzindo o Banco Central a adotar uma política retrancada
nos juros.
Isso não significa ainda que o jogo vá mudar
na próxima reunião do Copom, dia 20. Os juros
ainda podem subir. Mas a perspectiva de alívio está
mais visível. Se os preços do petróleo
seguirem baixando no mercado internacional, cairá o
risco de inflação mundial e os juros não
terão de subir mais rapidamente, como tanta gente vinha
temendo. Nessas condições, parte da turbulência
externa estará afastada e o Banco Central poderá
voltar a permitir que a economia interna se acelere.
CELSO MING
do o Estado de S. Paulo
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